Parecer sobre a constitucionalidade

ESP versão 2.0

Ementa: Institui, no âmbito do sistema municipal de ensino, o “Programa Escola sem Partido”

Art. 1º.  Esta Lei institui, no âmbito do sistema municipal de ensino, com fundamento nos artigos 23, inciso I, 30, incisos I e II, e 227, caput, da Constituição Federal, o “Programa Escola sem Partido”, em consonância com os seguintes princípios:

I – dignidade da pessoa humana;

II – neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;

III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

IV – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

V – liberdade de consciência e de crença;

VI – direito à intimidade;

VII – proteção integral da criança e do adolescente;

VIII – direito do estudante de ser informado sobre os próprios direitos, visando ao exercício da cidadania;

IX – direito dos pais sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos, assegurado pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Art. 2º. O Poder Público não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero.

Art. 3º. É vedado o uso de técnicas de manipulação psicológica destinadas a obter a adesão dos alunos a determinada causa.

Art. 4º. No exercício de suas funções, o professor:

I – não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias;

II – não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;

III – não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas;

IV – ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria;

V – respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções;

VI – não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.

Art. 5º. As instituições de educação básica afixarão nas salas de aula e nas salas dos professores cartazes com o conteúdo previsto no anexo desta Lei, com, no mínimo, 420 milímetros de largura por 594 milímetros de altura, e fonte com tamanho compatível com as dimensões adotadas.

Parágrafo único. Nas instituições de educação infantil, os cartazes referidos no caput deste artigo serão afixados somente nas salas dos professores.

Art. 6º. As escolas particulares que atendem a orientação confessional e ideologia específicas poderão veicular e promover os conteúdos de cunho religioso, moral e ideológico autorizados contratualmente pelos pais ou responsáveis pelos estudantes, devendo ser respeitado, no tocante aos demais conteúdos, o direito dos alunos à educação, à liberdade de aprender e ao pluralismo de ideias.

Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput deste artigo, as escolas deverão apresentar e entregar aos pais ou responsáveis pelos estudantes material informativo que possibilite o pleno conhecimento dos temas ministrados e dos enfoques adotados.

Art. 7º. As escolas que não realizarem ou não disponibilizarem as gravações das aulas deverão assegurar aos estudantes o direito de gravá-las, a fim de permitir a melhor absorção do conteúdo ministrado e de viabilizar o pleno exercício do direito dos pais ou responsáveis de ter ciência do processo pedagógico e avaliar a qualidade dos serviços prestados pela escola.

Art. 8º. É vedada aos grêmios estudantis a promoção de atividade político-partidária.

Art. 9º. O disposto nesta Lei aplica-se, no que couber:

I – às políticas e planos educacionais;

II – aos conteúdos curriculares;

III – aos projetos pedagógicos das escolas;

IV – aos materiais didáticos e paradidáticos;

V – às provas de concurso para o ingresso na carreira docente.

Art. 10. O Poder Público contará com canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato.

Parágrafo único. As reclamações referidas no caput deste artigo deverão ser encaminhadas ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos direitos da criança e do adolescente, sob pena de responsabilidade.

Art. 11. Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 dias da data de sua publicação oficial.

ANEXO

DEVERES DO PROFESSOR

1 – O Professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.

2 –  O Professor não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.

3 –  O Professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.

4 –  Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria.

5 – O Professor respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

6 – O Professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.

JUSTIFICAÇÃO

É fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis.

Diante dessa realidade, entendemos que é necessário e urgente adotar medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas escolas, e a usurpação do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

Trata-se, afinal, de práticas ilícitas, violadoras de direitos e liberdades fundamentais dos estudantes e de seus pais ou responsáveis, como se passa a demonstrar:

  1. A liberdade de consciência e de crença – assegurada pelo art. 5º, VI, da Constituição Federal – compreende o direito do estudante a que o seu conhecimento da realidade não seja manipulado, para fins políticos e ideológicos, pela ação dos seus professores;
  2. O caráter obrigatório do ensino não anula e não restringe essa liberdade. Por isso, o fato de o estudante ser obrigado a assistir às aulas de um professor implica para o professor o dever de não se aproveitar da audiência cativa dos alunos para promover suas próprias preferências religiosas, morais, ideológicas, políticas e partidárias.
  3. Liberdade de ensinar – assegurada pelo art. 206, II, da Constituição Federal – não se confunde com liberdade de expressão; não existe liberdade de expressão no exercício estrito da atividade docente, sob pena de ser anulada a liberdade de consciência e de crença dos estudantes, que formam, em sala de aula, uma audiência cativa;
  4. A liberdade de ensinar obviamente não confere ao professor o direito de se aproveitar do seu cargo e da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias; nem o direito de favorecer, prejudicar ou constranger os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas; nem o direito de fazer propaganda político-partidária em sala de aula e incitar seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas; nem o direito de manipular o conteúdo da sua disciplina com o objetivo de obter a adesão dos alunos a determinada corrente política ou ideológica; nem, finalmente, o direito de dizer aos filhos dos outros o que é certo e o que é errado em matéria de religião e de moral;
  5. Além disso, a doutrinação política e ideológica em sala de aula compromete gravemente a liberdade política do estudante, na medida em que visa a induzi-lo a fazer determinadas escolhas políticas e ideológicas, que beneficiam, direta ou indiretamente as políticas, os movimentos, as organizações, os governos, os partidos e os candidatos que desfrutam da simpatia do professor;
  6. Sendo assim, não há dúvida de que os estudantes que se encontram em tal situação estão sendo manipulados e explorados politicamente, o que ofende o art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), segundo o qual “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de exploração”;
  7. Ao estigmatizar determinadas perspectivas políticas e ideológicas, a doutrinação cria as condições para o bullying político e ideológico que é praticado pelos próprios estudantes contra seus colegas. Em certos ambientes, um aluno que assuma publicamente uma militância ou postura que não seja a da corrente dominante corre sério risco de ser isolado, hostilizado e até agredido fisicamente pelos colegas. E isso se deve, principalmente, ao ambiente de sectarismo criado pela doutrinação;
  8. A doutrinação infringe, também, o disposto no art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante aos estudantes “o direito de ser respeitado por seus educadores”. Com efeito, um professor que deseja transformar seus alunos em réplicas ideológicas de si mesmo evidentemente não os está respeitando;
  9. A prática da doutrinação política e ideológica nas escolas configura, ademais, uma clara violação ao próprio regime democrático, na medida em que instrumentaliza o sistema público de ensino com o objetivo de desequilibrar o jogo político em favor de determinados competidores;
  10. Por outro lado, é inegável que, como entidades pertencentes à Administração Pública, as escolas públicas estão sujeitas ao princípio constitucional da impessoalidade, e isto significa, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 15ª ed., p. 104), que “nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie.”;
  11. E não é só. O uso da máquina do Estado – que compreende o sistema de ensino – para a difusão das concepções políticas ou ideológicas de seus agentes é incompatível com o princípio da neutralidade política e ideológica do Estado, com o princípio republicano, com o princípio da isonomia (igualdade de todos perante a lei) e com o princípio do pluralismo político e de ideias, todos previstos, explícita ou implicitamente, na Constituição Federal;
  12. Cabe recordar, a propósito, que o artigo 117, V, da Lei 8.112/91, reproduzindo norma tradicional no Direito Administrativo brasileiro, presente na legislação de diversos Estados e Municípios, estabelece que é vedado ao servidor público “promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição”;
  13. No que tange à educação religiosa e moral, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, vigente no Brasil, já assegura aos pais “o direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.” Trata-se, apenas, de fazer com que esse direito dos pais – sem o qual eles não poderiam cumprir o dever constitucional de criar e educar seus filhos menores (CF, art. 229) – seja respeitado dentro das escolas;
  14. Finalmente, um Estado que se define como laico – e que, portanto deve manter uma posição de neutralidade em relação a todas as religiões – não pode usar o sistema de ensino para promover valores que sejam hostis à moralidade dessa ou daquela religião;
  15. Permitir que o governo de turno ou seus agentes utilizem o sistema de ensino para promover uma determinada moralidade é dar-lhes o direito de vilipendiar e destruir, indiretamente, a crença religiosa dos estudantes, o que ofende os artigos 5º, VI, e 19, I, da Constituição Federal.

Ante o exposto, entendemos que a melhor forma de combater o abuso da liberdade de ensinar é informar os estudantes sobre o direito que eles têm de não ser doutrinados por seus professores, a fim de que eles mesmos possam exercer a defesa desse direito, já que, dentro das salas de aula, ninguém mais poderá fazer isso por eles.

Nesse sentido, o projeto que ora se apresenta está em perfeita sintonia com o art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que prescreve, entre as finalidades da educação, o preparo do educando para o exercício da cidadania. Afinal, o direito de ser informado sobre os próprios direitos é questão de estrita cidadania.

O projeto reconhece também o direito dos estudantes e dos pais de gravar as aulas, caso a escola não o faça ou não disponibilize as gravações. Trata-se de direito que decorre do artigo 206, VII, da Constituição ‒ que assegura, entre os princípios com base nos quais o ensino será ministrado, a “garantia de padrão de qualidade” ‒ o que implica necessariamente para os pais o direito de conhecer e avaliar a qualidade dos serviços prestados pelas escolas ‒; e do artigo 53, par. único, do ECA, que reconhece aos pais o direito de ter ciência do processo pedagógico vivenciado por seus filhos.

Em complemento ao disposto no artigo 1º da Lei nº 7.398/1985 ‒ que assegura aos estudantes do ensino fundamental e médio o direito de se organizar “como entidades autônomas representativas dos interesses dos estudantes secundaristas com finalidades educacionais, culturais, cívicas esportivas e sociais.” ‒, o projeto explicita a proibição de atividades político-partidárias por parte dos grêmios estudantis, visando a impedir o risco de instrumentalização dessas entidades por partidos políticos. Tendo em vista que os grêmios estudantis desenvolvem suas atividades no espaço escolar, a proibição também obedece ao princípio constitucional da impessoalidade.

Note-se por fim, que o projeto não deixa de atender à especificidade das instituições confessionais e particulares cujas práticas educativas sejam orientadas por concepções, princípios e valores morais, às quais reconhece expressamente o direito de veicular e promover os princípios, valores e concepções que as definem, exigindo-se, apenas, a ciência e o consentimento expressos por parte dos pais ou responsáveis pelos estudantes.

Ao aprovar a presente proposição, esta Casa estará atuando no sentido de “zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas” dentro das escolas e universidades, como determina o artigo 23, I, da Constituição; e no de “prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”, como prescreve o artigo 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente.