Por Miguel Nagib *
Que as escolas brasileiras se transformaram, umas mais, outras menos, em centros de doutrinação política e ideológica a serviço dos partidos e organizações de esquerda, disso já não resta a menor sombra de dúvida. Não bastasse a enorme quantidade de provas disponíveis a quem queira conhecê-las – e o site www.escolasempartido.org reúne uma amostra bastante razoável –, há a experiência direta de todos os que passaram pelo sistema de ensino nos últimos 40 anos, de modo que a instrumentalização do ensino para fins político-ideológicos e partidários adquiriu o status daquilo que tecnicamente se denomina, em direito processual, “fato notório”.
Portanto, embora seja importante continuar coletando evidências da crescente ideologização e partidarização das escolas – entre outras coisas, para poder desmentir o Ministro Fernando Haddad, da próxima vez em que ele tentar minimizar a gravidade do problema, como fez em entrevista concedida à revista Veja, em outubro de 2007, ao afirmar que “o dogmatismo chega a algumas salas de aula do país” –, isto já não seria rigorosamente necessário para justificar a provocação do órgão estatal legalmente incumbido de coibir essa prática, a saber, o Ministério Público.
Por outro lado, assim como é inegável a imoralidade intrínseca do ato de um professor que se vale da autoridade que lhe é conferida pela cátedra escolar para fazer a cabeça de jovens imaturos e inexperientes, transformando-os em aliados de seus interesses ou militantes de sua causa; assim, também, é inquestionável, do ponto de vista jurídico, a ilicitude dessa prática, seja à luz da Constituição Federal – pois a doutrinação ideológica em sala de aula e nos livros didáticos representa um claro cerceamento da liberdade de aprender por ela assegurada (art. 206) –; seja à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, que proíbe qualquer forma de exploração dos indivíduos pertencentes a essas duas categorias.
Se a prática da doutrinação é notória e se notórias também são a sua imoralidade e ilicitude, por que razão a militância esquerdista continua a parasitar impunemente o sistema de ensino em nosso país?
Os motivos são vários. O primeiro deles é efeito da própria doutrinação ideológica, que cria as condições necessárias para o seu alastramento e perpetuação. Como nas histórias de vampiro, a vítima se transforma em agente, contaminando novas vítimas. O doutrinado de hoje é o doutrinador ou, quando menos, o conivente de amanhã.
Coniventes, no mínimo, se tornaram praticamente todas as autoridades educacionais do país, tanto as que operam dentro do Estado – escolas e universidades públicas, ministério e secretarias de educação, tudo gramscianamente aparelhado pela esquerda –, como as que atuam fora dele, de modo especialmente grave, os proprietários das escolas particulares, que, quando não professam, de forma absolutamente contraditória com a atividade empresarial que desempenham, o mesmo credo ideológico da esquerda, só têm olhos para as suas tesourarias. A propósito, um desses empresários – o milionário Chaim Zaher, dono do Sistema COC de Ensino –, está processando o Escola sem Partido e a mãe de uma aluna que ousou criticar o viés coletivista e anti-empresarial de suas apostilas.
Coniventes também se tornaram, desgraçadamente, os pais dos alunos. De acordo com uma pesquisa do Instituto Sensus, publicada pela revista Veja (edição de 20.08.2008), 61% dos pais acham “normal” que os professores façam proselitismo ideológico em sala de aula.
A despeito da ambiguidade do adjetivo “normal” – que deixa sem saber se esses pais apenas reconhecem que se trata de um fenômeno generalizado já existente em sua época de estudante, ou também aprovam a doutrinação –, o fato é que, mesmo nas escolas particulares, os pais não exigem dos professores a mínima observância do respeito devido à liberdade de aprender de seus filhos. É lamentável.
Quanto aos estudantes, a maioria não só não tem consciência de estar sendo doutrinada, como nutre especial afeição pelos professores militantes (geralmente, e não por acaso, mais simpáticos e menos exigentes que os outros professores quanto ao conteúdo específico das disciplinas). Depois de algum tempo, ou são cooptados, tornando-se servos cúmplices de seus mestres, ou se calam para não sofrer retaliações.
Vem daí um dos maiores obstáculos do combate à doutrinação: a dificuldade de apanhar o doutrinador em flagrante delito. No espaço protegido da sala de aula, o professor é a autoridade máxima. Os alunos o veneram ou o temem. Por falta de conhecimento, são incapazes de identificar as falsidades, as omissões, os exageros, as descontextualizações e as distorções do conteúdo que lhes é transmitido. Por falta de experiência, não percebem que estão sendo manipulados. Ademais, enfrentar o professor é perigoso, exige coragem. Por tudo isso, não é fácil saber o que acontece dentro de uma sala de aula. Os livros didáticos constituem, é certo, um forte indício do enfoque adotado pelo professor em suas aulas (e é fundamental que se faça, periodicamente, um exame rigoroso do seu conteúdo do ponto de vista político e ideológico); mas um bom militante obviamente não depende desse tipo de auxílio.
Trata-se, como visto, de um problema complexo, e que se agrava a cada dia, na medida em que as faculdades não param de produzir professores com a mesma mentalidade: jovens despreparados que se julgam investidos de uma missão sagrada: despertar a “consciência crítica” dos alunos, fazer deles “agentes de transformação social”, com o objetivo de “construir uma sociedade mais justa”.
Não admira que para 78% dos professores, segundo a mesma pesquisa do Instituto Sensus, a principal missão da escola seja “formar cidadãos”, e para apenas 8%, “ensinar as matérias” [1]. Será que é por isso que, no Brasil, a educação vai tão mal, e o PT vai tão bem?
São essas, em linhas gerais, as características da doutrinação político-ideológica nas escolas brasileiras. Passemos, agora, à pergunta do título: o que pode ser feito para combatê-la?
Evidentemente, os adversários ideológicos da esquerda têm de ir à luta. Queiramos ou não, existe no mundo, hoje, uma guerra cultural e de valores. A disputa entre conservatives eliberals, nos EUA, é exemplar. Não há como fugir do confronto.
Essa é uma disputa, porém, que pode se arrastar por décadas. E enquanto isso? Continuarão os estudantes brasileiros submetidos ao monopólio ideológico imposto pela esquerda?
Para o curto-prazo, nossa proposta é muito simples: afixar em todas as salas de aula do país, do ensino fundamental e do ensino médio, um cartaz com os seguintes dizeres:
1. O professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-ideológica, nem adotará livros didáticos que tenham esse objetivo.
2. O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, religiosas, ou da falta delas.
3. O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
4. Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.
5. O professor não criará em sala de aula uma atmosfera de intimidação, ostensiva ou sutil, capaz de desencorajar a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus, nem permitirá que tal atmosfera seja criada pela ação de alunos sectários ou de outros professores.
O objetivo do cartaz é duplo: explicitar ou recordar aos professores os deveres éticos e jurídicos compreendidos no ato de educar; e dar aos estudantes os meios de que eles necessitam para se defender do professor militante (já que, em razão das circunstâncias concretas em que se desenvolve a doutrinação, ninguém mais poderá fazer isto por eles).
Há um problema, porém. Quem vai determinar a afixação do cartaz nas salas de aula? As autoridades educacionais certamente não o farão, pois são coniventes com a doutrinação, quando não a favorecem ou estimulam; os donos de escola talvez o fizessem, se os pais dos estudantes exigissem; mas, como vimos, é pouco provável que isto venha a acontecer.
Em tal situação, quem tem o dever legal de agir é o Ministério Público, ao qual compete, nos termos do art. 201, VIII, do Estatuto da Criança e do Adolescente, “zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis”.
Além disso, se tivermos em conta que o objetivo da doutrinação ideológica nas salas de aula e nos livros didáticos é desequilibrar a disputa política em favor de um dos concorrentes, o Ministério Público, enquanto guardião do regime democrático (CF, art. 127), não pode ficar indiferente a essa prática, que materializa também, em última análise, uma grave violação à liberdade política de milhões de futuros eleitores.
Ora, qualquer pessoa pode provocar o Ministério Público, levando ao seu conhecimento fatos que demonstrem a ocorrência de lesão a direitos coletivos ou difusos, e pedir ou sugerir a adoção das providências que julgar apropriadas (no caso, a afixação do cartaz nas salas de aula). Não há ônus algum; o direito de petição aos Poderes Públicos é garantido pela Constituição.
Fizemos isso em Brasília. A representação deu origem a um inquérito civil público que está sendo conduzido pelos promotores Trajano Melo e Guilherme Fernandes Neto, da Promotoria de Defesa do Consumidor.
Você, leitor, pode fazer o mesmo. Para facilitar o trabalho, disponibilizamos no www.escolasempartido.org um modelo de representação ao Ministério Público: basta preencher com seus dados pessoais, imprimir, assinar e entregar ao promotor de justiça da sua cidade (clique aqui).
Sim, as chances de a representação ser arquivada são bastante grandes. A exemplo do que ocorre com os pais dos estudantes, a maioria dos promotores acha “normal” o professor fazer a cabeça dos alunos. Sendo otimista, eu diria que no máximo 10% dos promotores de justiça não rejeitarãoin limine a representação, seja por afinidade ideológica com os que praticam a doutrinação, medo de patrulhamento, ou preguiça pura e simples.
Pensamos, por isso, na seguinte estratégia: instituir o Dia Nacional de Luta Contra a Doutrinação Ideológica nas Escolas; nesse dia, apresentaríamos ao Ministério Público o maior número possível de representações no maior número possível de cidades; e torceríamos para que elas fossem parar nas mãos daqueles 10%.
Não deu certo? Foram arquivadas todas as representações? Não faz mal. No ano que vem haverá um novo Dia Nacional de Luta Contra a Doutrinação Ideológica nas Escolas, e uma nova leva de representações será apresentada em todo o país. O promotor que determinou o arquivamento da representação no ano anterior talvez tenha sido substituído. Em algum momento conseguiremos. Basta que um só inquérito seja instaurado e já teremos alcançado algum sucesso. E sucesso atrai sucesso. Na pior das hipóteses, chamaremos a atenção da sociedade para o problema.
Não temos nada a perder.
[1] Perguntados sobre com quem mais se identificam, 29% dos professores responderam Paulo Freire e 10%, Karl Marx. Jesus Cristo e Albert Einstein empataram com 6% da preferência dos professores.
O autor é coordenador do EscolasemPartido.org. Artigo publicado no jornal do Grupo Inconfidência, edição de 24 de fevereiro de 2011.