Reportagem de Susan Cruz publicada no portal Terra, em 28 de setembro de 2007.
* * *
Um livro didático distribuído pelo governo do Estado do Paraná virou alvo de uma polêmica por supostamente conter material ideológico em suas páginas. Surpreende o fato de que até no capítulo dedicado à Educação Física, esse tipo de conteúdo esteja presente. “O esporte escolar atende anseios do mercado consumidor, fortemente ligado ao ideário do sistema capitalista”, lê-se em um dos trechos. A obra é distribuída gratuitamente para todos as escolas da rede pública estadual de ensino.
A ONG Escola Sem Partido, que tem sede em Brasília, está lutando ao lado de pais e estudiosos para retirar das escolas este e outros livros didáticos que conteriam teor ideológico. É o caso também de Nova História Crítica – 8ª série, de Mário Schmidt, publicado pela Editora Nova Geração. Em nota, a editora afirma que os professores possuem autonomia para escolher qual livro utilizar dentro de sala de aula. Segundo informações do comunicado, cerca de 50 mil professores teriam optado pelo livro como a melhor coleção de História.
Em entrevista ao Terra, o advogado Miguel Nagib disse que criou a organização em 2004 após ler os livros didáticos dos seus filhos e identificar conteúdo ideológico no material didático da área das Ciências Sociais. “Afirmações do tipo: ‘na sociedade capitalista quase todos trabalham para gerar riquezas, mas apenas uma minoria burguesa se apropria dela’ estão presentes em todos os livros didáticos a partir da 8ª série”, afirma.
Para Nagib, a presença de conteúdo ideológico nos livros didáticos é só um aspecto do problema. Ele defende que a instrumentalização do conhecimento afeta o ensino como um todo, principalmente a atuação do professor em sala de aula. “A visão crítica adotada por muitos professores só tem servido para estigmatizar os adversários ideológicos da esquerda, produzindo um enfoque parcial, distorcido e preconceituoso de todos os fenômenos que não se identifiquem com a tradição revolucionária, anticapitalista e anti-religiosa”, dispara.
Educação Física burguesa
No Paraná o caso vai além de História e Geografia. A disciplina de Educação Física explorou o tema do esporte no Livro Didático Público (distribuído para a rede estadual). Nagib destaca o capítulo que aborda o esporte como mecanismo burguês. “O esporte escolar atende anseios do mercado consumidor, fortemente ligado ao ideário do sistema capitalista”, traz o capítulo 3 do livro.
Segundo Nagib, o texto merece críticas. “Ou seja, para ele (o autor), a classe dominante usa o esporte de competição para incutir nas pessoas valores úteis ao capitalismo, como o respeito às regras, o espírito de equipe, a vontade de vencer, etc. Mostra que a classe dominante é tão má, que não hesita em usar uma coisa boa e pura como o esporte para satisfazer seus próprios interesses. E quais são esses interesses? Ganhar dinheiro! Ah, não! Isso não pode. Ganhar dinheiro é crime.”, ironiza.
O professor é quem manda
A professora de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Elisa Dalla Bona, defende que os professores não podem ser “escravizados” pelos livros. “O professor qualificado possui apenas mais de um material. Eu desconheço algum livro didático que seja merecedor de ser seguido à risca. O bom professor pode, inclusive, criticá-lo”, afirma.
Dalla Bona diz que outro fator importante é a imposição da escolha do livro didático. “Você escolhe o que lhe é ofertado, dentro de uma lista. Estamos lutando para que o professor possa escolher o livro que deseja trabalhar, junto com a equipe de sua escola. Uma vez selecionado, é apenas mais um recurso. O professor não pode ficar agarrado ao livro. Deve seguí-lo como um roteiro, um apoio, mas não o único”.
O psicólogo Perci Klein também apóia a figura do professor “independente”. “Não importa a ideologia apresentada, o professor é quem detém o conhecimento, e a figura dentro de sala que representa isso. Dependendo da maneira que ele atua, pode induzir o aluno”, explica.
Providências
Reprovado pelo Ministério da Educação (MEC) este ano, por falhas de conteúdo – e depois de ter adquirido mais de 80 mil exemplares apenas em 2007 – o livro Nova História Crítica foi excluído do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). A coleção formada por quatro volumes utilizados de 5° a 8° séries deixará de fazer parte do programa a partir de 2008.
Em nota, o MEC informou que, para ser utilizado nas escolas, o livro didático é avaliado segundo três critérios básicos: a falta de erros conceituais; a coerência teórico-metodológica no conteúdo e nas atividades propostas; e a contribuição para a cidadania, sem expressar preconceito, doutrinação ou publicidade.
A secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC), Jane Cristina da Silva, afirmou que o MEC estabelece convênios com universidades federais para realizar a avaliação do material didático utilizado. “O livro Nova História Crítica foi excluído desta lista por apresentar problemas conceituais. Assim, não estará nas escolas nos próximos três anos. Não privilegiamos nenhuma abordagem. Dentre os livros selecionados pelo programa, o professor tem autonomia para fazer sua escolha”, explicou.
Resposta
Um comunicado emitido pela editora Nova Geração reafirma que a seleção das obras passou pelo crivo das universidades federais conveniadas ao MEC. Arnaldo Saraiva, que assina a nota, afirma que, além disso, 50 mil professores teriam optado pelo livro. “Terão errado todos estes 50 mil professores? O que devemos fazer com estes milhares de professores que preferem a obra do professor Mario Schmidt às demais? Demitimos? Reeducamos ideologicamente?”, questiona Saraiva.
http://noticias.terra.com.br/educacao/interna/0,,OI1945799-EI8266,00.html