Por Eduardo Chaves *
Quando fui contratado pela UNICAMP em Julho de 1974, tive de elaborar um Plano de Pesquisa que justificaria minha permanência na universidade em tempo integral e dedicação exclusiva. Meu plano de pesquisa foi sobre Educação e Doutrinação.
Não consigo encontrar, no momento (posto que estou separado de meus arquivos e de meus livros), o texto daquele plano. Mas encontrei um artigo, que originalmente escrevi em 1976 (“A Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais”, publicado no livro Introdução Teórica e Prática às Ciências da Educação, organizado por Antonio Muniz de Rezende, Editora Vozes, Petrópolis, 1977), que que resumiu parte de minha pesquisa. O material apresentado a seguir consta de uma segunda versão, expandida desse artigo, versão que publiquei na Internet. Introduzo nessa segunda versão, agora, algumas pequenas alterações editoriais:
Quem doutrina, ao contrário de quem educa, está interessado em que seus alunos simplesmente venham a aceitar (acreditar em) os pontos de vista que ele adota e esposa. Ele é, acima de tudo, um partidário, um mercador de pontos de vista.
Quem educa, ao contrário de quem doutrina, está interessado em que seus alunos venham a examinar os fundamentos dos diferentes pontos de vista sobre um determinado assunto, e, assim, venham, em conseqüência desse exame, a compreender o assunto – só tomando a decisão de aceitar ou rejeitar os diferentes pontos de vista (acreditar ou não acreditar neles) em decorrência do exercício livre de seu julgamento das credenciais dos fundamentos epistêmicos (em termos de evidências e argumentos) desses pontos de vista.
Procurei a seguir esclarecer um dilema que aflige muitos pais e educadores bem intencionados.
A possibilidade da doutrinação faz com que aqueles que se preocupam com a educação, de seus filhos ou de seus alunos, se confrontem com um sério dilema. Este dilema, embora possa surgir em qualquer área, aparece mais freqüentemente naquelas áreas em que a evidência parece ser mais inconcludente mas em que, por ironia do destino, se encontram algumas das questões mais básicas e importantes com que tem de se defrontar o ser humano: a moralidade, a política, e a religião.
Por um lado, nós, como pais e educadores, em geral acreditamos (por exemplo) ser necessário apresentar a nossos filhos e alunos o ponto de vista moral, o lado moral das coisas, para que venham a ser seres morais.
Por outro lado, acreditamos (se somos bem intencionados) que temos de evitar a doutrinação, se queremos realmente educar nossos filhos e alunos, isto é, se queremos que eles se tornem indivíduos livres para pensar, escolher e agir, liberdade esta que é pré-condição para que eles venham a ser seres morais.
É diante desse dilema que temos de procurar as melhores maneiras de prosseguir, sabendo, de antemão, que a tarefa é difícil e que muitos, antes deles, optaram, OU por não oferecer nenhum ensino nessas áreas, OU, então, pela doutrinação pura e simples como única outra alternativa viável.
É em confronto com esse dilema que muitos têm optado pela alternativa da chamada “educação negativa”, que não é nem educação nem negativa, devendo, talvez, ser descrita como “não educação neutra”, por pardoxal que essa expressão possa parecer. Eles afirmam que o ensino da moralidade, da política, e da religião não deve ser ministrado até que a criança atinja maturidade suficiente para analisar a evidência e tirar suas próprias conclusões.
Outros têm se desesperado e concluído que a única outra alternativa, apesar dos pesares, é doutrinar – estes são os doutrinadores contra sua própria vontade. [Estes são os pais e educadores bem intencionados, que prefeririam não doutrinar mas concluem que, em algumas áreas, em especial na área da moralidade, da política e da religião, é impossível não doutrinar. Eles diferem dos pais e educadores mal intencionados que não respeitam a liberdade dos filhos e alunos desejam doutriná-los, para que venham a pensar como eles, pais e professores, pensam.]
Tanto os defensores da “educação negativa” como os que, contra a vontade, optam pela doutrinação, não vêem uma terceira alternativa, não vêem uma solução realmente educacional para o problema. Embora não seja fácil promover essa alternativa,,desenvolvimentos recentes no campo da educação moral, da educação política e da educação religiosa, têm nos indicado o caminho a seguir na direção de uma educação moral, política e religiosa viável e digna do nome. Mas ainda há muito por fazer nessa área.
Concluindo aquele artigo de 1976, procurei resumir por que a doutrinação é indesejável.
Fica claro, do que foi dito, porque a doutrinação é indesejável e moralmente censurável.
Quem doutrina não respeita a liberdade de pensamento e de escolha de seus filhos e alunos, procurando incutir crenças em suas mentes e não lhes dando condições de analisar e examinar a evidência, decidindo, então, por si próprios.
Quem doutrina desrespeita os cânones de racionalidade e objetividade, tratando questões abertas como se fossem fechadas, questões incertas como se fossem certas, enunciados falsos ou não demonstrados como verdadeiros como se fossem verdades acima de qualquer suspeita.
É verdade que essa tomada de posição contra à doutrinação já implica, ao mesmo tempo, um comprometimento com certos valores e ideais básicos, como o da liberdade de pensamento e de escolha dos alunos (e de qualquer pessoa), o da racionalidade, etc. É importante que se reconheça isso para que não se incorra no erro de pensar que a adoção desses valores e ideais não precisa ser defensável, e, mais que isto, defendida, através da argumentação. Argumentos contra a adoção desses valores e ideais precisam ser cuidadosamente analisados para que, ao propor a tese da indesejabilidade e falta de apoio moral da doutrinação, não o façamos de modo a imitar os doutrinadores, isto é, tratando como fechada uma questão que é realmente aberta. Cremos não ser esta a ocasião de fazer esta defesa dos valores e ideais da liberdade de pensamento e escolha, nem da racionalidade. Mas isto não significa que estes valores e ideais não precisem ser defendidos.
Com estas observações concluímos esta seção sobre doutrinação. Cremos que a análise desse conceito, além de valiosa em si mesma, nos ajuda a compreender melhor, por contraste, o que seja a educação. Uma análise mais completa deveria incluir um exame das semelhanças e diferenças existentes entre doutrinação, treinamento, condicionamento, lavagem cerebral, etc. Há importantes diferenças, bem como semelhanças, entre esses conceitos. Isto, porém, precisará ficar para um outro trabalho.
Em 1974, em que acabava de retornar ao Brasil depois de sete anos nos Estados Unidos, preocupava-me principalmente a doutrinação religiosa, da qual eu havia sido, em parte, vítima. Mas me preocupava, também, naquela época, a infeliz iniciativa dos militares de tornar obrigatória em nossas escolas a “Educação Moral e Cívica” – destinada a incutir “bom mocismo”, patriotismo e, naturalmente, lealdade ao governo dos alunos. (Comecei a me preocupar com isso quando, no final da década de sessenta, quando eu morava nos Estados Unidos, minhas irmãs, nascidas em 1957 e 1959, começaram a me enviar cartas em que as palavras vinham escritas, alternadamente, nas cores verde, amarela e azul (em um papel branco).
Não tinha, naquela ocasião, idéia do que estava por vir com o fim do regime militar e a implantação, a partir de 1984, de uma república que se pretendia nova. A odiosidade do regime militar permitiu que esquerdistas (especialmente comunistas e socialistas) tivessem condições de difundir o ponto de vista de que fora a esquerda que havia derrubado o regime militar e reimplantado o estado de direito e a democracia no país.
Esse ponto de vista, além de mentiroso, por ignorar o papel dos liberais na luta pela liberdade (afinal de contas, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro, etc. não eram esquerdistas), é especialmente odiosa porque os comunistas e a boa parte dos socialistas não queriam a reimplantação do estado de direito e da democracia no país. Queriam, isto sim, substituir a ditadura militar por uma ditadura de esquerda, supostamente do proletariado ou dos trabalhadores, liderados por uma vanguarda intelectual, política, e sempre ativista, composta de esquerdistas de carteirinha.
Esse ponto de vista gerou também um trabalho de “formiguinha” dessa vanguarda de esquerda que, antes de assumir controle da máquina política (agora em grande parte controlada), aparelhou a máquina acadêmica, em especial os mecanismos de formação de professores, doutrinando os futuros professores na cartilha (“vulgata”) marxista.
O resultado está aí, vinte e poucos anos depois: um sistema educacional que, até mesmo na rede privada, vomita o tempo todo em cima dos alunos um lixo esquerdizante horrível, com o objetivo de doutrinar esses alunos, tornando-os sensíveis às campanhas políticas e às manobras eleitoreiras da esquerda.
O sucesso desse empreendimento pode ser julgado em muitas frentes.
Uma frente é, naturalmente, a política.
Depois de dezesseis anos de governo de viés esquerdizante no governo federal, temos, agora, em 2010, uma campanha presidencial em que todos os principais candidatos são nitidamente de viés esquerdista: um ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, uma ex-terrorista, uma militante ambiental, e um ex-governador metido a radical de esquerda, que foi ministro do governo Lulla durante as duas gestões.
Não nos deixemos enganar pelas manobras da esquerda. O PT tenta descaracterizar o PSDB como esquerda, procurando colar nele o rótulo de neo-liberal (apesar de o partido se rotular de “Partido da SOCIAL-Democracia Brasileira” e se comportar, consistentemente, como social-democrata. Lulla tenta descaracterizar FHC como esquerda. No entanto, todos comemoraram, juntos, em 1994, a “eleição [de FHC] como o primeiro presidente de esquerda do Brasil”. O PT e os partidos mais à esquerda comemoraram, de novo, em 2002, oito anos depois, a “eleição [agora de Lulla] como o primeiro presidente de esquerda do Brasil”. Os partidos mais à esquerda de Lulla, e mesmo parte do PT, não hesitam agora em rotular Lulla como neo-liberal. Para eles, Serra é de direita…
A outra frente, mais importante no longo prazo, porque viabiliza a frente política, é a educacional. Seguindo a orientação de Gramsci, a esquerda assumiu controle de todos os espaços formadores de opinião, dos quais a educação (seguida da mídia e das editoras) é o principal.
O resultado, nessa frente, é descrito e denunciado muito bem no excelente site: “Escolas sem Partido” – que tem o lema “Educação sem Doutrinação”.
Recomendo que visitem o site e leiam o que ali está descrito e denunciado.
O Coordenador do site está sendo processado, com grande alarde, pelo COC (Curso Oswaldo Cruz), com sede em Ribeirão Preto, por ter denunciado o fato de que um livro de História daquela rede de ensino está cheio de lixo esquerdista.
* Eduardo Chaves é escritor, consultor, empresário, professor de Filosofia (aposentado na UNICAMP e em atuação no UNISAL-Americana)
Post publicado no blog do autor em 10 de abril de 2010.