Reportagem publicada na Folha de São Paulo, edição de 2 de setembro de 2000.
* * *
Alunos da rede pública do Rio Grande do Sul estão sendo preparados para o debate proposto pelo plebiscito sobre endividamento do país, promovido por entidades da sociedade civil com o apoio do PT _partido do governador Olívio Dutra. O governo do Estado mandou distribuir 10 mil exemplares de uma cartilha sobre o tema nas escolas de 1º e 2º graus.
Embora a maioria dos alunos não tenha idade (mais de 16 anos) para participar do plebiscito, o governo do Estado estimula a organização de ”tribunais” nas turmas para o julgar o endividamento. ”Só com o que gastou entre 1995 e 1998 (primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso) com o pagamento da dívida externa, o Brasil poderia duplicar seus gastos em educação e ainda sobraria dinheiro para construir 6,5 milhões de escolas. Ou ainda seria possível abrir 27,9 milhões de vagas gratuitas nas universidades”, diz o texto da cartilha. Apesar de uma referência simpática à moratória da dívida adotada durante o governo Sarney em 1986, o caderno não defende a suspensão do pagamento aos credores.
”Isso é inadmissível”, reagiu irritado o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, que recebeu um exemplar do caderno pedagógico ”Dívida Externa: Independência ou Morte”. O ministro não vê no caderno apenas o debate de um tema nacional importante, como estimula o próprio MEC. Ele avalia a cartilha como ”material de doutrinação política de crianças e jovens”. ”É uso da máquina do governo para a luta partidária do PT”, insistiu.
Como os Estados têm autonomia para levar adiante seus projetos educacionais, o ministro defende que o assunto seja discutido pelo Conselho Federal de Educação. ”O MEC não pode fazer quase nada”, disse. Antes de Paulo Renato, o ministro Pedro Malan (Fazenda) já havia criticado a realização do plebiscito sobre as dívidas externa e interna.
A secretária de Educação do Rio Grande do Sul, Lucia Camine, defendeu a iniciativa. ”A prioridade do nosso projeto educacional é a inclusão social, e a dívida externa inviabiliza a inclusão social”, disse. Segundo Camine, a intenção do governo foi subsidiar o debate nas escolas. O custo da edição, distribuída nas 3.052 escolas do Estado, foi estimado oficialmente em ”apenas” R$ 1.000.
A secretária alega que o caderno relaciona, inclusive, argumentos favoráveis ao pagamento da dívida. São eles: o pagamento da dívida é um compromisso assumido pelo governo, a eventual suspensão do pagamento barraria novos empréstimos internacionais e poderia levar o país a sofrer sanções, como o fechamento do mercado dos Estados Unidos à exportação de produtos brasileiros.
Entre os argumentos contrários, o caderno relaciona as taxas de juros impostas pelos credores, o fato de a dívida ter aumentado apesar do pagamento de juros e a crescente dependência do país. ”Perdemos soberania quando assinamos um contrato escrito em inglês”, diz o texto. O principal argumento, porém, é que o dinheiro gasto com o pagamento de juros impede investimentos na área social. ”Com o dinheiro gasto com a dívida externa entre 95 e 99 seria possível conceder um bônus de R$ 103.711 para cada família brasileira que vive com até um salário mínimo.” A cartilha esclarece que, como grande parte da dívida é de empresas privadas, a eventual suspensão do pagamento não garantiria investimentos na área social num montante tão alto.