Ensino que é bom…
Mãe ganha na Justiça o direito de protestar contra o colégio da filha. Na cartilha sobra ideologia e falta conteúdo
Camila Antunes
Roberto Setton |
Mirian com a filha, Luísa: indignada com os erros factuais e com a doutrinação esquerdista |
“O aparecimento da propriedade privada deu origem à desigualdade social em comunidades neolíticas e na Grécia antiga. Esse é um mal que os capitalistas hoje procuram acobertar.” Esse samba do sociólogo louco parece guardar distante parentesco com a teoria de Karl Marx, mas o rigoroso filósofo alemão ficaria chocado com a letra. Criticar o capitalismo é saudável, como qualquer crítica. Mas fazer proselitismo esquerdista usando fatos errados é de lascar. As análises em questão circulam pelos vários capítulos de uma apostila de história e geografia usada em classes de ensino médio de 200 escolas particulares do país. O dono do material é o grupo COC, de Ribeirão Preto, que vende as apostilas às escolas. Ao se interessar pelo material didático usado na escola da filha, a dona-de-casa Mírian Macedo, 53 anos, levou um susto. Ela correu ao Colégio Pentágono, de São Paulo, um dos que aplicam as apostilas, decidida a cancelar a matrícula da filha. Luísa, de 15 anos, estudava lá havia nove. Mírian condensou as passagens que soavam a ela como “panfletagem grosseira” em um texto no qual denuncia o que chama de “Porno-marxismo”. Em março, o artigo da dona-de-casa passou a circular na internet. O caso acabou na Justiça. Por meio de uma liminar, o COC exigiu a retirada do nome da instituição do documento. Há duas semanas, a Justiça reavaliou a questão e deu a Mírian o direito de divulgar a versão original. O COC, por sua vez, avisou que fará uma revisão de suas apostilas, usadas por 220.000 estudantes. Reconhece Chaim Zaher, o dono do grupo: “Erramos mesmo”.
Ao chamar atenção para o viés ideológico nas apostilas de sua filha, Mírian (que se define como “marxista desiludida”) expõe um problema bem maior. Apostilas e livros didáticos adotados pelas escolas brasileiras estão contaminados pela doutrinação política esquerdizante. Resume o sociólogo Simon Schwartzman: “As crianças não aprendem mais o nome dos rios ou as datas relevantes da história da humanidade. Elas estão tendo contato com uma ciência social superficial, marcada pela crítica marxista vulgar”. É esse o ponto. As editoras deveriam ser mais criteriosas na erradicação desses dogmas e das simplificações que, como diz Schwartzman, vulgarizam o ensino. Karl Marx foi um pensador profundo e complexo que tirou a filosofia das nuvens e a colocou no mundo real. Nisso é equiparado ao grego Aristóteles, cuja obra deu vida material aos ensinamentos essencialmente teóricos de Platão. Reduzir Marx ao esquerdismo de botequim que se nota em alguns livros e apostilas é uma ofensa ao filósofo alemão e um desserviço à educação dos jovens brasileiros.
Muitos dos livros e apostilas que servem de base para as aulas apresentam problemas ainda mais básicos, como erros factuais e de português – e redações primárias. O texto “Como se conjuga um empresário”, panfleto anticapitalista sem graça nem gosto reproduzido nesta página, foi o que mais chamou a atenção de Mírian. Mas a mãe se indignou com muitas coisas mais. O colégio onde estuda a filha reagiu com coragem e correção. Não renovou o contrato com o COC e mandou tirar de sua própria apostila o texto em questão. Assinado por um desconhecido escritor cearense que atende pelo nome de Mino, a peça já havia cativado outros deseducadores. Em 2005, serviu de tema para a redação no vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais. Inspirados na obra, os candidatos deviam produzir um texto crítico sobre o comportamento do empresário. Com um detalhe: o narrador da história seria uma “secretária anticapitalista”, indignada com as peripécias do patrão. “Os jovens estão expostos a uma salada de slogans que não esclarecem nada sobre o mundo em que vivemos – isso só emburrece”, diz o filósofo Roberto Romano. Como mostra a reação de Mírian Macedo, as escolas ensinam, mas cabe aos pais educar – no sentido mais amplo possível.
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ERROS E DOGMAS ESQUERDISTAS
Trechos das apostilas da 1ª série do ensino
médio do COC e do Colégio Pentágono
“A escravidão no Brasil é justificada pela condição de inferioridade do negro, colocado como animal, pois era ‘desprovido de alma’ (…). Além da Igreja, que legitimou tal sandice, a quem mais interessava tamanha besteira?“
(Capítulo “Nós e a história”, pág. 97 da apostila do COC)
Comentário: a Igreja já era, então, contrária à escravidão. O papa Paulo III escreveu, em 1537: “Ninguém deve ser reduzido à escravidão”
“A dissolução das comunidades neolíticas, como também da propriedade coletiva, deu lugar à propriedade privada e à formação das classes sociais, isto é, a propriedade privada deu origem às desigualdades sociais (…).”
(Capítulo “A pré-história”, pág. 103 da apostila do COC)
Comentário: o conceito de “classes sociais” não se aplica a uma sociedade organizada em clãs. As desigualdades subsistem desde que a humanidade vivia da caça, da pesca e da coleta
“O surgimento da propriedade privada dos meios de produção (…) provocou, na Grécia, a formação da sociedade de classes organizada sob a cidade-estado.”
(Capítulo “O período arcaico”, pág. 128 da apostila do COC)
Comentário: as classes na Grécia antiga eram determinadas pela ascendência dos cidadãos – e não por sua riqueza
“Como se conjuga um empresário: vendeu, ganhou, lucrou, lesou, explorou, burlou… convocou, elogiou, bolinou, estimulou, beijou, convidou… despiu-se… deitou-se, mexeu, gemeu, fungou, babou, antecipou, frustrou…”
(Pág. 14 da apostila de redação do Pentágono)
Comentário: tolice ideológica que, além de ser sem graça, predispõe os alunos contra o sistema de geração e distribuição de riqueza que é a base da democracia, a economia de mercado