Editorial do jornal “O Estado de São Paulo”, edição de 16 de maio de 2004.
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Há método nas sandices que o governo federal está propondo para o ensino superior. Mas todas têm um viés político-ideológico que, a pretexto de “democratizar” as universidades, consideradas elitistas pelos ideólogos do PT — como se pudessem ser outra coisa as instituições onde se aprimora o conhecimento —, tem o objetivo maldisfarçado de submetê-las ao “participacionismo”, que é a variedade petista do socialismo populista mais retrógrado.
Num dia, o ministro Tarso Genro, durante reunião com 47 dos 54 reitores das universidades e instituições do ensino superior federal, apresentou três medidas que constarão do projeto de reforma universitária do MEC. Uma condicionará a abertura de novos cursos à “diminuição das desigualdades” — o que não passa de grosseira instrumentalização política da educação, aplicando as rédeas do dirigismo à liberdade de iniciativa e de pensamento.
Outra, é a criação de uma escola pública de pós-graduação de Geopolítica e Defesa, com o objetivo anunciado de fazer um “projeto de nação” para o Brasil — também uma tosca manobra autoritária para impor um pensamento único e uma linguagem única acobertados, que supostamente concentrariam energias num vetor único de desenvolvimento do País, meta acalentada por setores militares durante a ditadura. A terceira medida é a escolha dos reitores, nas universidades públicas e privadas, por meio de eleição direta. Essa experiência “democrática” foi tentada em algumas universidades públicas e confessionais nas décadas de 80 e 90, com resultados desastrosos. As salas de aulas se transformaram em palanques políticos, foram eleitos reitores despreparados para o cargo e a qualidade do ensino, como tinha de acontecer, despencou.
No dia seguinte à exposição do ministro da Educação, o presidente Lula comunicou ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social que enviará ao Congresso dois projetos de lei: um, obrigando as universidades filantrópicas a transformar em vagas gratuitas os recursos que seriam usados para pagar impostos; outro, reservando metade das vagas das universidades federais a alunos que tenham cursado todo o ensino médio em escolas públicas, incluindo-se aí as cotas para negros e indígenas.
Vários reitores reagiram negativamente à medida anunciada pelo presidente da República. Temem a queda da qualidade do ensino, que seria uma conseqüência natural do preenchimento de metade das vagas por alunos sem o devido preparo, e que teriam lugar na universidade por terem cursado escolas médias públicas ou pela cor da pele.
Ora, raça e condição socioeconômica são falsas questões, quando se discute o acesso à universidade. O verdadeiro problema está na baixa qualidade do ensino das escolas públicas de nível médio. Se o governo quer que os alunos dessas escolas disputem vagas nas universidades públicas em condições de igualdade com os alunos das escolas médias privadas, a solução é igualar — elevando — o padrão de ensino das primeiras. Mas disso o governo não trata.
Felizmente, esse projeto dificilmente vigorará. A criação dessa monumental reserva de vagas choca-se contra os preceitos constitucionais.
O presidente Lula se orgulha de ter chegado aonde chegou apesar de sua origem social e do fato de não ter estudado. Não lhe cabe impor os sacrifícios pelos quais passou, obstruindo as oportunidades de acesso ao ensino superior, a quem estudou em boas escolas.