Foi-se o tempo em que a doutrinação e a propaganda político-partidária e ideológica em sala de aula se limitavam ao campo das ciências sociais: sociologia, história, geografia, antropologia, direito, etc. Atualmente, não há ramo do conhecimento ou disciplina que esteja imune à ação devastadora do professor-militante.
No texto abaixo – publicado na seção de artigos do site do PT (www.pt.org.br), em 26.10.2006, e enviado ao EscolasemPartido.org por uma colaboradora –, a Doutora Tatiana Mourão, professora-adjunta da Faculdade de Medicina da UFMG, presta contas ao Partido de sua militância em sala de aula a favor do candidato do PT à Presidência da República.
Condoendo-se da perplexidade de seus alunos com o andamento das eleições presidenciais, a abnegada professora resolveu ajudá-los: suspendeu temporariamente a prestação dos serviços pelos quais é paga pela sociedade, abriu uma brecha no programa e mandou ver. Erigiu um santuário para o candidato do PT – “homem muito inteligente, com uma linguagem que sabe tocar o coração, linguagem de gente sofrida, oriunda de sua experiência de vida Severina” – e uma forca para o adversário, comparado pela professora a nada menos que Benito Mussolini.
Diante do relatório da Dra. Tatiana – que, como todo professor-militante, considera ser sua missão primordial “preparar ‘cérebros’ para que no futuro possam conduzir o destino do país e não apenas ‘formar técnicos’ em medicina” –, o leitor pode imaginar o que deve ter acontecido em nossas salas de aula no curso dessas eleições.
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Professora?!!! Por que resolveu votar no Lula?
Por Tatiana Tscherbakowski Mourão
O eleitor brasileiro foi presenteado pela história com o segundo turno, e assim poderá refletir e comparar os discursos, as ações e as personalidades dos dois candidatos à Presidência da República.
A pergunta que coloquei como título foi de minha aluna da Faculdade de Medicina da UFMG. Conversava com um grupo do 12º. período, alunos com os quais a vida me deu a felicidade de trabalhar, pois são considerados “la crème de la crème” do nosso Estado, uma vez que são submetidos ao vestibular que exige as notas mais altas em Minas, além do que, no último ano muitos deles já sofreram uma segunda seleção devido ao estresse físico (cerca de até doze horas de aulas ao dia durante seis anos) e emocional (conviver com a miséria da população brasileira e com a morte).
Pois bem, esse grupo estava perplexo com o andamento das eleições e pensando que nos encontrávamos num beco sem saída para a escolha do nosso futuro presidente, sem sonhos, sem o “Coração de Estudante” (Milton Nascimento), sem brilho no olhar… Quanto a mim, penso que minha missão para com esses alunos é, antes de tudo, a de preparar “cérebros” para que no futuro possam conduzir o destino do país e não apenas “formar técnicos” em medicina.
Discutimos como escolher um candidato baseados em argumentos históricos, na interpretação do discurso dos candidatos no debate efinalmente tivemos perguntas que precisam ser respondidas ao eleitor.
Descreverei as argumentações que fiz com este grupo: inicialmente, a História, bendita História que pode nos afastar dos erros nas escolhas. Reporto-me a Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder” (1957), um dos grandes historiadores políticos do Brasil; ele remete o leitor a Portugal do período da unificação do país – quando a Europa processava o fim do feudalismo – e às características de um Estado patrimonial que se formava então,caracterizado por uma organização política em que já existia uma promiscuidade entre o bem e o espaço público com o governante e a classe que o rodeava.
O Brasil continuou repetindo esta História com nomes e roupagens diferentes – Capitanias Hereditárias, Império, República. Entretanto, “os donos do poder” sempre estavam presentes como uma “aristocracia”, em que a democracia era uma idéia de jovens sonhadores que viajavam para a Europa a fim de estudar, mas quando retornavam ao Brasil, voltavam a assimilar o papel para o qual se encontravam predestinados ha séculos, da mesma forma que também viviam os miseráveis (analfabetos, pobres, negros entre outros), predestinados, para todo o sempre, a sua miséria material e educacional.
Eric Hobsbawm – um dos historiadores contemporâneos mais respeitados, professor da Universidade de Cambridge e Nova York -, em seu livro “Era dos Extremos” (1994), faz menção a dois personagens, um chamado Lula no Brasil, e outro Walesa na Polônia. Esse autor depositou esperanças de que estes homens, provenientes da classe social sempre alienada do poder, pudessem ser no futuro atores ativos de mudanças históricas, entre outros fatores, devido à procedência de grupo marcado a ferro e fogo para servir e calar.
No domingo do primeiro debate estava inquieta, alegre, com comportamento de criança que espera ansiosamente o seu presente nesta semana da criança – o meu seria o debate. Felizmente, meus dois filhos adolescentes estavam viajando e eu poderia, absolutamente sozinha, sem conversas paralelas, sem interrupções indesejáveis, usufruir com toda avidez o meu presente: assistir a um debate cheio de sutilezas, quando os dois candidatos imprimiriam suas propostas, suas personalidades, e eu tentaria desvendar as mensagens “ocultas” por detrás do cenário montado.
Enquanto aguardava, fantasiava o que encontraria em cada candidato: esperava encontrar no Alckmin um típico “uspiano” (aluno formado pela USP), sutil, com raciocínio tão rápido que poderia dar um xeque-mate no seu oponente mexendo com as peças do xadrez da linguagem de forma totalmente imprevisível, inteligente e elegante.
Do presidente Lula esperava encontrar um homem muito inteligente, com uma linguagem que sabe tocar o coração, linguagem de gente sofrida – mesmo que com excesso de metáforas – oriunda de sua experiência de vida Severina, contrapondo ao discurso do tucano.
Desde a primeira pergunta do Alckmin no debate comecei a ter uma sensação de perplexidade, que continuou – e aumentou muito – durante todo o tempo em que escutei o seu discurso… Ele, ao contrário da minha fantasia, não soube mexer com nenhuma peça do tabuleiro de xadrez, não soube refletir para dar suas respostas, não soube utilizar nenhuma das armas sutis da linguagem, me parecia mais um “Inspetor Geral” de um famoso escritor russo. Enfim, ele me pareceu Banal – segundo o conceito de Banalidade da filósofa Hanna Arendt.
Na minha profunda perplexidade, a única figura que me veio à mente, por livre associação, foi a de um líder italiano da Segunda Guerra Mundial.
O presidente Lula nesse debate também não teve oportunidade de colocar com clareza suas propostas de governo. O interrogatório do Inspetor Geral não permitiu o diálogo, e surpreendeu-me o autocontrole do Presidente perante o Inquisidor (a la española) que discursou como um coro repetitivo – por sinal muito cansativo para o telespectador -a mesma fala do início de cada bloco até o final do debate, que parecia querer dizer: Confesse herege! A fogueira já está pronta qualquer que seja sua resposta…
Olha Lula, não sei se eu, a despeito de todos os meus títulos acadêmicos, suportaria tanta agressão e a humilhação de ser chamada de mentirosa; provavelmente – como o senhor adora futebol – , eu teria dito para o oponente a expressão lingüística que uma torcida utiliza para um juiz de futebol que rouba um pênalti. Possivelmente sua vida Severina ensinou essa sabedoria de calar quando necessário.
Entretanto, ficaram algumas questões para serem respondidas:
Ao candidato Alckmin: tanto o casal Cardoso quanto o casal Lula deixaram transparentes a sua formação acadêmica. O primeiro casal sempre mostrou que possuía uma formação intelectual extremamente refinada, ambos doutores e professores universitários; o segundo nunca se envergonhou de sua origem humilde, muito antes pelo contrário. O senhor se coloca como o candidato culto e sempre fala de forma repetitiva: “Eu sou médico”. Bem, esse título universitário tem muito pouco valor para quem tem uma formação acadêmica, pois posso confessar, como professora de medicina, que conheço vários médicos com mentalidade mais tacanha que muitos analfabetos. Logo, volto a essas inconveniências de professora universitária: por favor, divulgue ao eleitor a formação acadêmica do casal Alckmin. Sempre penso nos casais, pois também uma primeira dama precisa, antes de vestir quatrocentas roupas de grife, ter idéias muito inteligentes.
Ao candidato Lula: o senhor sempre se mostrou um candidato ligado às classes sociais (C, D, E), e isto se tornou nítido na reportagem da Folha de S. Paulo do último domingo na qual o Brasil – como nunca antes aconteceu – aparece rasgado em dois segmentos sociais antagônicos. Não resta dúvida que existem medíocres no PT; estes, quando picados pela Mosca Azul (Frei Beto) do poder, se tornaram mais arrogantes que os nobres da coroa britânica e eu os apelido de “New Lords”.
O senhor estará disposto a romper com esses “New Lords” e cercar-se de notáveis e cérebros?
Como eleitores, minha turma e eu aguardamos essas respostas.
Nestes tempos difíceis, levando em conta todas as considerações anteriores, posso dizer com serenidade, à turma do meu coração: Voto em Lula!
Tatiana Tscherbakowski Mourão é professora adjunta da Faculdade de Medicina da UFMG. Doutora em Psiquiatria pela USP e Psicanalista do CPMG