Por Reinaldo Azevedo
Lembram-se do Plenarinho, aquelinha pagininha da Câmara dos Deputados voltadinha às criancinhas que estavazinho ensinandozinho quão bonzinho é o comunismozinho e que o capitalismozinho é uma coisinha muito ruinzinha? Publiquei ontem dois posts a respeito, vejam lá.
Tão logo escrevi o primeiro, acusando a empulhação ideológica, as pessoas que cuidam do site mudaram o conteúdo da página sem nem avisar os eventuais leitores. Como informei, sempre faço PDF das barbaridades que encontro em sites oficiais. Publiquei o segundo post apontando o expediente e as novas distorções.
Pois bem. Agora a Câmara decidiu tirar do ar as duas páginas dedicadas ao capitalismo e ao comunismo. A redação do site admite num texto publicado hoje às 15h37: “Analisamos que, mesmo sem intenção, produzimos uma matéria tendenciosa, que apresentou apenas os pontos positivos da teoria e não apontou os pontos negativos dos sistemas comunistas estabelecidos ou já extintos na história da humanidade. Portanto, em respeito aos nossos internautas mirins, resolvemos retirar a reportagem do ar, assim como a outra matéria da série, “Sobre o capitalismo”.
Tá. Mas ainda não posso deixar o pessoal do Plenarinho em paz. Li outras coisas ali muito complicadas. Tratarei disso outra hora. “Comunismo” e “capitalismo” viraram agora apenas dois verbetes, que tentam ser secos, objetivos.
O site define assim o “Capitalismo”: “Sistema social que valoriza bastante o capital. Os meios de produção (bancos, financeiras, fábricas, lojas comerciais, supermercados, etc.) estão nas mãos das empresas privadas ou de pessoas que contratam mão-de-obra em troca de salário”. Xiii, Marquim…
Capitalismo não é um “sistema social”, mas econômico. E a definição de “meios de produção” está errada. Os “bancos, financeiras, fábricas, lojas comerciais, supermercados”, caros plenaristas, não são os “meios de produção”, mas o capital. É o capital traduzido no aparato produtivo. Os “meios” são os meios propriamente ditos, os objetos e instrumentos de trabalho que servem à produção. Sim, claro que sei de onde vem a besteira: da vulgata marxista segundo a qual, no capitalismo, a burguesia é “dona dos meios de produção”.
Há duas ignorâncias que se espalharam mundo afora sem que os “usuários” das teorias tenham se ocupado jamais de ler os textos originais: marxismo e psicanálise. E a vulgarização de leituras erradas destas duas teorias produz um mal imenso. No primeiro caso, temos a esquerdopatia vigente nas escolas e até num site da Câmara dos Deputados. No segundo caso, temos a leniência doméstica com a delinqüência juvenil porque os pais sempre acreditam que seu pimpolho malcriado foi vítima de algum “trauma” e que reprimir a sua falta de compostura é autoritarismo… Ah, bem, a terceira praga é o sociologismo, segundo o qual o indivíduo nunca é responsável pelo ato que pratica. O meio é que condiciona seu comportamento.
A soma dessas três vulgaridades é nefasta para o país.
Mas volto ao ponto. Ok. Melhor que a Câmara tenha decidido tomar alguma providência e tenha reconhecido que o material estava distorcido. E que fique uma lição: produzir material didático, voltado para crianças — e, portanto, pedagógico também —, é coisa séria, alheia à ligeireza.
A educação e os “dois lados”
Só para arrematar: mesmo no texto em que a Câmara assume que o material era tendencioso, há embutido um problema fundamental da nossa educação: a idéia de que tudo “tem dois lados”. Assim, vejam lá, o erro estaria em ter mostrado apenas os aspectos positivos do comunismo… Não! O que o site publicou não eram “aspectos positivos”, mas “aspectos mentirosos”, de propaganda.
Sem contar que há um problema que é de natureza ética e que nada tem a ver com a neutralidade de quem escreve para crianças ou lhes dá aula: o eventual aspecto positivo de uma teoria que depende de uma tirania ou de algum mal essencial para existir não é “aspecto positivo” coisa nenhuma. Quando muito, é só uma das faces — a edulcorada — do mal.
Claro, isso não se debate exatamente em pedagogia ou didática. Tem a ver com as ciências morais.
Publicado no blog do autor em 4 de setembro de 2008