Por Percival Puggina
Estou lendo a excelente biografia – “Hugo Chávez sin uniforme” –, escrita pelos jornalistas venezuelanos Alberto Barrera Tyszka e Cristina Marcano. O livro é ótima fonte de referências para quem quiser entender como funciona a cabeça desse sujeito cujo projeto de vida era chegar ao Palácio Miraflores, fosse através dos tanques, fosse através do voto.
Às folhas tantas, os autores se debruçam sobre as investidas de Chávez no sistema educacional, mediante a produção de um material didático orientado para a “revolução bolivariana”. Diante da forte resistência dos pais, que saíram às ruas tão logo tiveram conhecimento do conteúdo desses novos livros, o histriônico presidente declarou: “No soy monedita de oro para caerle bien a todos”. Subiu nas tamancas, empertigou-se, resistiu e lançou bravatas. Mas a revolta foi tão contundente que precisou recuar.
Nada há de original na tentativa de Chávez. Ela não chegou aos extremos inicialmente previstos, mas é certo que a educação venezuelana, hoje, inclui os elementos essenciais da doutrinação marxista. A propósito é bom lembrar que durante boa parte do século 20, os comunistas da América Latina prepararam-se, lutaram, viveram, mataram e morreram pela “revolução”. Esse era o ânimo das alianças libertadoras nacionais (ALNs) e grupos assemelhados que infernizaram décadas da história política continental e deram causa aos governos militares surgidos entre os anos 60 e 80 do século passado. Na expectativa dos revolucionários, a luta armada deveria levar ao alçamento em armas e a isso o povo era convocado em sucessivos e inúteis manifestos. O povo jamais lhes deu bola. Não lhes deu bola nem mesmo quando essa convocação foi exercida contra governos que suprimiam liberdades públicas. Ainda assim, seu credo lhes preserva a absoluta certeza de agirem pelo povo, com o povo e para o povo, cujo santo nome usam absolutamente em vão. E dane-se o povo se duvidar disso.A guinada metodológica que os está levando ao poder pela via mais fácil do voto surgiu com a leitura da obra de Gramsci, cuja metodologia implica a conquista de corações e mentes através da infiltração nos meios culturais. Infiltração, aliás, que não preservou e não preserva sequer a Igreja e seus seminários e que, obviamente, inclui os sistemas de ensino público e privado. Acertou na mosca, portanto, a revista Veja, em sua recente matéria sobre a doutrinação marxista nas escolas brasileiras. A reportagem “Prontos para o século XIX”é uma descrição correta e tardia do que está em curso há quase quatro décadas nos educandários brasileiros e dos países vizinhos, porque a orientação é a mesma para todos, com êxito que se comprova a cada eleição.
Note-se: o processo denunciado pela reportagem está em curso na rede pública – o que se poderia justificar pela falta de tutano político dos gestores que, gradualmente, entregaram essa rede ao comando dos sindicatos funcionais – e está em curso na rede privada, inclusive nas escolas confessionais, como bem identifica a matéria. Há vários anos, escrevi artigo com o título “Alerta aos pais”, no qual observava que quem matricula um filho de seis ou sete anos em escola particular, o faz tendo em conta a orientação filosófica ou religiosa que ela segue. Se essa pessoa for católica, evangélica ou israelita, provavelmente optará por um estabelecimento de igual confissão. A criança, nessa idade, não tem um miligrama de marxismo no cérebro. É bem provável que já ame o Brasil, creia em Deus, no valor da solidariedade, na dignidade da pessoa humana. Seus pais a ensinaram a respeitar a propriedade alheia. Exercem o direito de ter seu filho educado em fidelidade à fé, princípios e valores que adotam e seguem.
A escola está autorizada a educar tais crianças, mas não recebeu procuração para as manipular, para as influenciar politicamente, ou para lhes meter na cabeça idéias que os pais não querem ver lá dentro. É preciso pôr freio nesse tipo de estupro mental. Se os colégios querem formar marxistas e socialistas, que o informem com clareza. É perfeitamente legítimo fazê-lo. Eduquem assim os filhos dos pais que o desejarem. Mas mudem de nome. Que passem a se chamar Colégio Che Guevara, Faculdade Karl Marx, Escolas Reunidas Mao-Tse-Tung, Curso Técnico Luiz Carlos Prestes. E deixem de usar, para fins impróprios, nomes com significado religioso.
O Colégio Anchieta de Porto Alegre contestou a matéria da Veja sem a responder. Considerou parcial e insignificante o fato de um de seus professores atacar em aula os empresários e suas máquinas pelo desemprego que produzem e convocar os estudantes, filhos de empreendedores, a questionar os pais sobre se eles estão fazendo isso. O Sinpro/RS, sindicato dos professores de escolas particulares, veio em apoio aos colegas, num texto maluco que defende com unhas e dentes a liberdade de cátedra (como autorização para um professor ensinar uma idiotice daquelas) e trata de maneira jocosa a liberdade de expressão usada pela revista. Dois pesos, duas medidas.
São esses gênios da lógica que comandam as corporações que dirigem a política educacional que forma a mentalidade das crianças brasileiras. São esses talentosos mestres e suas idéias que levam o Brasil à 76ª posição no ranking da Unesco e situam nosso padrão educacional atrás da Bolívia, do Paraguai e do Equador.