Fiz o primeiro e segundo graus num colégio religioso, em Natal/RN. Entrei em 1982. Era o fim do período militar e início da redemocratização. O ideário esquerdista estava em expansão, trazendo consigo a ideia mentirosa de que defendiam a democracia (quem quiser conferir pode ver as declarações de Fernando Gabeira e Eduardo Jorge no You Tube). Àquela idade, jovem com coração, eu admirava muito os partidos de inspiração marxista. As contradições desse sistema não eram para mim, nem são para os jovens de hoje nem serão para os jovens de amanhã motivo para a perda da fé apaixonada. Já disse que falo de jovens.
Tínhamos aulas com padres e seminaristas. Sob a influência da Teologia da Libertação, alguns seminaristas (claro, mais jovens que os padres) às vezes se animavam a fazer pregação política. Lembro que um deles, muito brincalhão, dizia que “Em geral, os seres vivos nasciam, reproduziam e morriam, mas os potiguares nasciam, morriam, ficavam imbecis e votavam em fulano de tal”. Outro, porém, sem intenção de humor, falava mais abertamente na defesa do “povo” contra “a burguesia”, e eu adorava.
Certa ocasião, porém, esse seminarista sem graça, certamente achando que ainda não tinha sido suficientemente claro, escreveu, já perto do fim da aula, no quadro negro, uma lista dos “partidos que defendem o povo”. PT, PDT, PCB, PC do B e uns poucos outros. Nesse momento (suponho que eu tinha de dez a doze anos) tive um desconforto, como que havia um limite ultrapassado, que naquela idade eu não conseguia explicar qual era, venci minha timidez por um instante e falei: “professor, eu concordo com o senhor que esses são os partidos que mais defendem o povo, mas eu não acho certo o senhor escrever isso no quadro, pois tem gente que não concorda”. Visivelmente desconcertado, o professor gaguejou alguma coisa sem sentido por um instante, e depois, com raiva, esbravejou quase gritando “VOCÊ É FILHO DE MILITAR?” Como realmente não sou filho de militar, depois da minha surpresa com a reação do professor fiquei até orgulhoso. Sabia que era um preconceito do professor, mas se no topo da coragem e independência infantil de pensamento estavam os filhos de militares, eu estaria acima deles.
Depois, já estudante de medicina, em um congresso de estudantes, recebemos João Pedro Stédile, líder do MST para nos dar uma palestra. Ainda esquerdista, mas desde sempre com simancol, comentei com um colega que eu considerava que o espaço cedido a Stédile deveria ser de uma das oficinas, que podem ter um caráter polêmico entre os estudantes, não uma palestra. A palestra deveria ser reservada para os assuntos próprios dos estudantes de medicina. Assuntos alheios à realidade dos hospitais escola poderiam desagregar. Esquerdista de alma, meu colega, que sabia que eu iria depois ao microfone, me ameaçou, sem citar nomes. Olhando para mim, disse que “seria capaz de bater em quem fosse contra as políticas sociais”. Amedrontei-me e realmente não fui. Dessa vez não sinto orgulho. Foi súbito, eu era calouro e o cara era meio grande, e eu engoli as palavras, feito Pedro Simon.
Hoje, tenho a somatória de coerência, cabelos brancos e coração, que só pode resultar em repulsa à esquerda (quem tem cabelos brancos e já conheceu a história de Stálin, Pol Pot, Kim Jong Il e tantos mais da esquerda, e os continua apoiando, é porque não tem nenhum coração). Tenho também uma filha, estudando ainda no Ensino Fundamental, e fico de olho no que os professores e livros dela ensinam. Façam o mesmo. Para muitos dos que leem, aliás, esse conselho certamente é desnecessário, pois vão lembrar-se da própria experiência, e ver que a minha foi amena em comparação com suas próprias.
Arthur Ribeiro – Médico Neuropediatra