Por Reinaldo Azevedo
Estou convencido de que abri uma espécie de Caixa de Pandora ao denunciar aqui que o Movimento Passe Livre está recrutando estudantes nas escolas particulares mais caras de São Paulo — gente que não tem nem mesmo noção de como funciona o sistema público de transportes —, usando a moçada cheia de disposição como massa de manobra de sua “luta”. Pior: muitos professores dessas escolas estão incitando os estudantes a participar de confrontos de rua e tentativas de ocupação de prédios públicos como forma de exercitar a “cidadania”. Na manifestação da semana passada, os vereadores do PT, diligentes como sempre, estavam lá dando suporte à “manifestação”. Quando rojões começaram a ser lançados contra o prédio da Prefeitura, a Polícia — que, no estado de democrático e de direito é a democracia de farda — reprimiu os “baderneiros do papai”. Cuidado com as camisetas da Hollister e os jeans da Diesel, crianças…
Ontem, eu me dirigi aos pais que pagam a farra. Hoje, dirijo-me aos diretores dessas escolas e coordenadores pedagógicos. Sim, vocês têm responsabilidades técnicas, profissionais e morais. É preciso saber a forma que o “discurso da cidadania” está tomando na sala de aula. “Educação crítica”, como dizem por aí, vá lá: partidarização da sala de aula é outra conversa e caracteriza, reitero, uma forma de assédio moral. O professor exerce uma liderança intelectual em sala. Em muitos casos, torna-se uma referência. Já bastam as quantidades industriais de bobagem contidas nos livros didáticos, boa parte deles produzida também por prosélitos. Aulas de história, geografia, sociologia e filosofia são, com freqüencia, verdadeiros manuais de militância petista, em que a verdade costuma ser a primeira vítima. Se pouco se pode fazer — a dificuldade realmente é imensa — para evitar a distorção, o incitamento à ação direta tem como ser contido.
Os molestados
Uma verdadeira corrente resolveu invadir o blog. Um sujeito que se assina RFF admite que seus professores fazem pregação política em sala. Escreve (segue com a gramática que veio):
“Os professores que nos dão aula e ‘assediam nossas mentes com ideias petistas’ além de nos ensinarem o que é preciso para passar no vestibular, nos ensinam também a abrir nossas cabeças para além de nossas vidinhas de filhinhos de papai. Não somos menos favorecidos de sabedoria ou de opinião porque estudamos em escolas particulares. Até porque se o ensino público fosse decente em todos os aspéctos necessários, nós não precisariamos das benditas escolas particulares. Acho que o problema é mais embaixo né?!”
Eis aí. Trata-se de uma confissão. Em seguida, ele especula sobre a minha vida de nababo:
“Então não venha com esse humor cínico infantil, ridicularizando todos os estudantes e nos colocando em uma posição como se tentar mudar um pouco o país é a atitude mais imbecil, se olhe no espelho quando acordar e veja o quão triste é sua vida (…). Depois vá tomar seu belo café da manhã no qual sua empregada teve de acordar as 5h da manhã, pegar 3 ônibus e um trêm para prepará-lo. Quando terminá-lo, leve seus queridinhos filhos (…) à escola (…) em seu carro que trocou mês passado. Depois vá para seu trabalho onde um homem irá abrir a porta para você, uma mulher irá colocar seu café importado na mesa. Ah! depois sente em sua deliciosa cadeira, ligue seu computador e faça mais uma de suas esdrúxulas ‘análises políticas’.”
Esse é um daqueles com a cabeça cheia da titica contra “a sociedade de consumo”, ainda um hit de 10 entre 10 esquerdistas pés-de-chinelo que infestam as salas de aula. Huuummm… Ele exagera um pouco. Acertou no meu café: de fato, é importado! E é pago com o mesmo dinheiro que paga o café dos petistas: O MEU. Fui muito sutil?
Outro abduzido, este se identifica como “Chico” — manda e-mail e tudo —, repete a cascata lulo-petista sobre a “mídia”. Vejam que primor:
“(…) quase toda a mídia de massa é comandada por indivíduos ou grupos que apoiam a direita e estão muito acomodados em sua riqueza sem ao menos considerarem as pessoas de classe social, mais baixas e, portanto, as mais afetadas pelo aumento da tarifa.
Nos primórdios do partido, o PT era sim um partido focado na esquerda com um discurso lindo e cheio de promessas, porém é impossível que a esquerda assuma o governo pela votação pois TODOS (ou quase todos) OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO ÀS MASSAS SÃO PRÓ DIREITA, por decorrência disso, para chegar ao poder foram provavelmente necessários acordos com quem possui enormes quantias de capital, pois elas mandam e desmandam nas mentes populares, que são, em sua maioria, alienadas devido o histórico de governos corruptos e defensores dos direitos da elite.”
O Chico também confessa o assédio moral:
“Em relação as manifestações contra o aumento da tarifa do ônibus, são realmente organizadas, em sua maioria, pela elite estudantil que realmente frequenta colégios caros. Porém não são jovens desocupados que resolvem badernar no centro, mas sim pessoas, que estão indignadas com a desigualdade social e com as péssimas condições de vida das outras pessoas. Serem pessoas ricas ou de classe média alta não significa não se importar com os mais pobres, é exatamente pela classe social avantajada dos manifestantes, que esperam ter mais aparição e com isso conquistar os direitos que todos devemos ter: liberdade para transitar para onde quisermos e isso deve também ser garantido pelo Estado.”
O truque consiste em fazer com que a garota e o garoto se sintam pessoalmente responsáveis — ou culpados — pelas mazelas do mundo. Não! Isso nada tem a ver com consciência e responsabilidade sociais. Trata-se apenas de uma variante rebaixada, vigarista e cretina de uma estupidez maior, que é a suposição de que a luta de classes move o mundo, uma idéia bastante ousada para… o século 19!
O Chico, tadinho, segue adiante, num comentário de um três quilômetros:
“Eu, assim como creio que a maioria dos manifestantes que são avantajados em relação à classe social a que pertencem, o que nos permite mais acesso a cultura dentre outros conhecimentos que constroem o caráter de alguém, não tenho a função nem vontade de abaixar o preço do ônibus para mim, mas para as outras pessoas que sofrem mais com questões financeiras a fim de pelo menos, em um mínimo grau aumentar a igualdade social que afinal de contas, toda população merece.”
Como se nota, ele só quer ser bom. É o menino bom dos homens maus…
Os molestadores
Até agora, citei trechos de comentários dos molestados. Agora eu os colocarei em contato com os molestadores. Um certo “Diego” escreve:
“Pelo menos um professor de filosofia conhece, baseado no bom senso ou, se preferires, razão, a noção de direito de opinar sem oprimir a opinião do outro. Se você tiver realizado as leituras fundamentais que qualquer pessoa desse mundo com voz na opinião pública deveria conhecer, com certeza terá lido Descartes. Se você leu Descartes, posso afirmar, com base na leitura do seu texto, que ou você discorda das idéias do pai da filosofia moderna ou você simplesmente as ignora motivado por alguma ideologia pessoal, pois não respeita a opinião do seu semelhante e a ataca com tréplicas que se fundamentam em falácias informais clássicas do medievo.”
Andei lembrando Paulo Francis esses dias e o faço de novo. Diante de textos assim, ele só pedia uma coisa: “chicote” — metafórico, claro (que peninha!). Descartes “pai da filosofia moderna”? “Falácias informais clássicas do medievo”? Esses analfabetos estão dando aulas para nossos filhos!!!
O Diego achou que não tinha barbarizado o bastante nos conceitos, já em língua trôpega, e decidiu exagerar:
“Se você puder ‘provar’ que os alunos (menores de idade) estão sendo incitados a participar dos protestos e nãoosaderindo por vontade própria, então me calarei; do contrário, use a propriedade singular que a natureza te concebeu, a razão, para opinar de maneira construtiva e não para desmerecer os argumentos dos outros por meio de chulas falácias informais.”
“Aderir” até suporta um objeto direto, mas não nessa acepção. O Diego precisa parar de molestar adolescentes e pegar correndo um livro. Qual livro? Qualquer um! Serve até um de poemas do neoesquerdista Gabriel Chalita!!!
O presunçoso
O Pedro — não publico o sobrenome, assim posso esculhambá-lo à vontade — resolveu posar (Emir Sader escreveria “pousar”) de sábio pra cima de mim:
“Vá ter você uma aula de História que te explique os princípios da revolução francesa pra depois vir falar alguma coisa a respeito de como a sociedade progride ou regride de acordo com a sua perspectiva absurda e hipócrita. Volte você à alfabetização e se desprenda do estruturalismo passando à decência. Absurdo é o Brasil ter de ver, publicada em uma revista de tão alto renome, a representação VIVA da ignorância que ronda os locais onde o poder está centrado. Eu sou um educador e não admito, definitivamente não admito que um profissional tão despreparado fale o que você está falando. Você, sim, é exemplo de vergonha. E espero que pai nenhum deixe filho algum ler esta maldita reportagem, sob o risco de crescerem jovens que venham a ser INSANOS como você.”
Esse é do tipo ignorante valente! Taí! Eu gosto da Revolução Francesa! É um dos temas que estudo regularmente. Se há tarado sanguinário cujo traseiro chuto com gosto é Robespierre. Ele até inspirou, pelo avesso, um artigo de quatro páginas que escrevi na última VEJA de 2010. Gosto tanto do período que chamo “A Marselhesa” de “banco de sangue em versos”…
O seu problema, Pedro, é menos a arrogância do que a ignorância. Eu poderia considerar que a salada que você faz entre a segunda e a terceira pessoas é só a opção pela informalidade. Mas não é, não! É coisa de gente xucra mesmo. O emprego da palavra “estruturalismo” em seu comentário evidencia que você não tem a menor noção do que está falando. Você é um “educador”? NÃO, PEDRO! VOCÊ É UMA PROVA DO QUE ESTOU DENUNCIANDO! Nunca antes na história do pensamento alguém havia oposto o “estruturalismo” à “decência”. É de tal sorte boçal que é irrespondível! E olhem que eu jamais fui um admirador dos estruturalistas — mas nunca me ocorreu chamá-los de “indecentes”. Você não sabe o que diz! Tire as duas mãos do chão e vá estudar. Renuncie a essa mistura desagradável de prepotência e burrice.
Para encerrar
Já o França decidiu apelar ao capeta para justificar as Santas Escrituras. Chamando-me de “esse cara”, escreve:
“Se esse cara se desse o trabalho de olhar o site do mec, veria que em determinada seção dele, há uma seção chamada “mobilização social pela educação”, dentro da qual vêm contempladas as bandeiras da diversidade, dos movimentos sociais do campo, dos pais de alunos, dos movimentos estudantis, das instituições sindicais e das confederações sindicais e patronais.”
Sentiram o cheiro, não? Esse é do tipo que considera que a escola é mero pretexto — apenas um lugar — para o exercício da militância. Imaginem! Ele vem me oferecer o MEC de Fernando Haddad como referência. Haddad é aquele agora ministro da Educação, antes suposto intelectual, que escreveu um livro provando as virtudes do sistema soviético pouco mais de um ano antes de a União Soviética acabar! Eu juro!
O França tenta nos explicar:
“Os mais enfezados (no melhor sentido que essa palavra pode ter) podem alegar que as manifestações ferem seu direito de ir e vir. Mas podemos comparar situações de exceção (como parar uma rua para uma manifestação) à impossibilidade completa de se locomover de uma parte a outra da cidade, enfrentada por boa parcela da população? E mais: há uma boa diferença entre falar dos movimentos sociais em sala de aula e obrigar os alunos a irem a uma manifestação. Ou seja, é do desejo do aluno aderir ou não a uma causa, bem como é facultado ao professor seu direito de opinião.”
Qual será a disciplina ensinada pelo bruto? Seja lá qual for, aposto que ele é do tipo que deixa de lado o conteúdo a ser ensinado para ministrar “aulas de cidadania”, como se fosse esse o seu papel. Bem, o vocabulário dele não engana, querem ver?
“Dando uma de showman, Azeredo conseguiu foi desmerecer os esforços de estudos e a inteligência de todo um grupo de trabalhadores da educação que simplesmente pensa diferente dele. E essa intolerância à diferença, caracterizada justamente pela maneira como se reporta à área de humanas, tratando-a como se pudesse ser ocupada por qualquer “idiota”, é que é lastimável e antidemocrática.”
O “Azeredo” sou eu! Chamou “professor” de “trabalhador da educação” já entrega o serviço. É militante do PT e e é sindicalista. Eu agora vou me identificar como “trabalhador do jornalismo”. Os médicos serão “trabalhadores da saúde”; os faxineiros, trabalhadores da limpeza; e os esquerdistas, aproveitadores do trabalho alheio!
Eis aí, leitores! O que vai acima, como vocês notam, são confissões de um crime continuado. E esse assunto está longe de acabar. Eu mal comecei.
Artigo publicado no blog do autor em 24 de fevereiro de 2011.