Por José Maria e Silva
Segundo a mitologia intelectual, que tende a ser mais dogmática do que a mitologia religiosa, juventude é sinônimo de rebeldia santa, motivada sempre por uma indignação espontânea, que facilmente se transforma em protesto contra as injustiças. Na América Latina, em face dos muitos golpes militares, o mito da juventude idealista é ainda mais forte, uma vez que os estudantes participaram ativamente da luta contra as diversas ditaduras do continente. O Brasil não foge à regra e, quando o assunto é o idealismo dos jovens, a União Nacional dos Estudantes (UNE) concorre com o célebre quadro de Eugène Delacroix — ela é a imagem histórica do protesto, a juventude conduzindo o povo.Desde o final da década de 40, quando a UNE se engajou na luta pelo petróleo, passando pelos protestos contra o regime militar, foram muitas as manifestações estudantis que tiveram repercussão na vida nacional, quase sempre do lado oposto ao poder. A última delas foi o movimento dos “caras-pintadas”, que contribuiu para a queda de Fernando Collor, em 1992. Por isso, desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, a imprensa tem criticado a excessiva proximidade entre a UNE e o governo, com autoridades do poder petista desfilando nos congressos da entidade estudantil como se estivessem em casa.Foi o que se viu em Goiânia na semana retrasada, quando a União Nacional dos Estudantes realizou seu 52º congresso, considerado o maior de sua história. O ex-presidente Lula e vários ministros do governo Dilma Rousseff discursaram no evento, que, segundo a imprensa, teve a participação de cerca de 8 mil estudantes. O congresso culminou com a eleição do novo presidente da UNE, o estudante Daniel Illiescu, de 26 anos, aluno de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele assume o lugar do estudante Augusto Chagas, de 29 anos.
Petrobras, a mamãe-banca-tudo
Em seu discurso no congresso da UNE, Lula defendeu a entidade e criticou os veículos de comunicação, afirmando que, quando presidente, suas falas eram um contraponto ao noticiário da imprensa: “Eu competia com o que eles falavam. E o povo acreditou mais em mim”. O congresso serviu até de palanque para o ex-presidente reforçar a pré-candidatura do ministro da Educação, Fernando Haddad, à Prefeitura de São Paulo. O ministro dividiu o palanque com Lula e, no dia seguinte, segundo a “Folha de S. Paulo”, o ex-presidente voltou a defender o nome de Haddad à sucessão de Gilberto Kassab.Ao ser ovacionado pelos estudantes da UNE, Lula poderia evocar o defunto Brás Cubas, ao se lembrar do compungido discurso de um amigo ao pé de sua sepultura: “Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei”. Mas Lula é uma espécie de Joe Gould, o “Professor Gaivota” do jornalista Joseph Mitchell, e não deve ter lido Machado de Assis. A diferença é que o mendigo-filósofo nova-iorquino dizia compreender a língua das gaivotas, ao mesmo tempo em que escrevia a “história oral” de seu tempo, registrando conversas alheias, enquanto Lula acredita fazer ele próprio a história oral da nossa época, falando por todos os cotovelos, seus e nossos.Só por isso é que o ex-presidente não consegue admitir que as críticas da imprensa são procedentes. Caso contrário, teria que se render aos fatos que a imprensa vem registrando sobre a UNE. Apenas o congresso da entidade em Goiânia custou ao governo federal muito mais do que o elogio fúnebre custou a Brás Cubas. O evento, com despesas estimadas em R$ 4 milhões, recebeu patrocínio de empresas estatais, como a Petrobrás, a mamãe-banca-tudo do Estado brasileiro. O restante veio da taxa de inscrição dos próprios estudantes, mais a ajuda do Governo de Goiás e da Prefeitura de Goiânia. Por isso é que o congresso foi chamado de “chapa-branca”, inclusive por setores do movimento estudantil.
Torneiras abertas à “rebeldia”
Mas, verdade seja dita, movimento estudantil a soldo de governos e partidos não é novidade. Talvez seja a regra. O congresso anterior da UNE, realizado em 2009, em Brasília, também contou com financiamento oficial. Segundo editorial do jornal “O Estado de S. Paulo”, publicado em 20 de julho de 2009, só o Ministério da Educação investiu R$ 600 mil naquele evento, que também recebeu R$ 150 mil do Ministério da Justiça; R$ 100 mil da Petrobrás; 50 mil do Ministério da Ciência e Tecnologia, além de verbas da Caixa Econômica Federal, dos Correios, dos Ministérios da Cultura e do Trabalho e das Secretarias Nacionais de Direitos Humanos e Juventude, totalizando R$ 920 mil em patrocínio.Na época, as críticas da imprensa foram até mais acerbas do que agora. E com razão. Realizado em plena pré-campanha para a eleição presidencial do ano seguinte, o Congresso da UNE de 2009 foi um comício oficial, em que a maioria dos estudantes esgoelava o nome de Dilma Rousseff, uma minoria gritava o nome de Ciro Gomes e todos ovacionavam o presidente Lula. A então presidente da UNE, Lúcia Stumpf, orgulhou-se do fato de que, em 71 anos de sua história, era a primeira vez que a entidade convidava um presidente da República para seu congresso. Em decorrência dessa ligação umbilical com o governo, a UNE, mesmo ostentando uma falsa neutralidade no primeiro turno das eleições de 2010, mergulhou de cabeça na campanha de Dilma Rousseff no segundo turno, ajudando a demonizar seu ex-presidente, o tucano José Serra.Desde que o PT chegou ao poder, a UNE vive do maná estatal. No governo tucano, a entidade recebeu apenas duas verbas expressivas: R$ 100,8 mil do Ministério da Educação, em 1995, e R$ 1,036 milhão do Ministério da Cultura, em 2002, mais uns trocados (R$ 75 mil) da Universidade Federal do Espírito Santo, totalizando R$ 1,137 milhão. Já no governo Lula, as torneiras do dinheiro público perderam a rosca e, só até abril de 2010, quando a ONG Contas Abertas fechou seu levantamento, jorraram nos cofres da UNE quase R$ 12,9 milhões — um aumento de 1.031% em relação ao montante gasto com a entidade pelo governo tucano.A maior parte dessa verba foi repassada à UNE pelo Ministério da Cultura, num total de R$ 8,8 milhões. Em seguida, aparece o Ministério da Saúde, com um repasse de R$ 2,8 milhões. Os demais órgãos do governo que também deram dinheiro à entidade durante os dois mandatos de Lula foram: Ministério dos Esportes (R$ 449,6 mil); Fundo Nacional de Cultura (R$ 434,4 mil); Presidência da República (R$ 184,9 mil); Ministério da Ciência e Tecnologia (R$ 101,5 mil); e Secretaria Especial de Política para as Mulheres (R$ 27,7 mil). Em média, a UNE recebeu R$ 1,8 milhão por ano.
E Lula tem alguma razão
Mas a estatização branca dos estudantes vai além. Passada a eleição de Dilma Rousseff, faltando apenas duas semanas para concluir seu mandato, como mostra o próprio Portal da Transparência do governo federal, o presidente Lula liberou R$ 44,6 milhões para a UNE e mandou depositar na conta da entidade, em 17 de dezembro de 2010, a maior parte desse dinheiro — R$ 30 milhões. Os R$ 14,6 milhões restantes ficaram para o orçamento deste ano. Trata-se de uma indenização do Estado à UNE, via Comissão de Anistia, pelo fato de sua sede, na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, ter sido destruída por um incêndio em abril de 1964, logo no início do regime militar.Com mais esse repasse milionário, o maná estatal da UNE durante o governo Lula totalizou R$ 42,872 milhões, o que dá uma média de R$ 5,3 milhões por ano. Isso significa que, com a chegada de Lula ao Planalto, os repasses de recursos públicos à UNE tiveram um aumento de 3.668% em relação aos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, transformando a entidade numa espécie de estatal estudantil. Impossível, portanto, não haver quem a chame de “chapa-branca”, como Lula gostaria que não houvesse, uma vez que seu sonho foi sempre a unanimidade e qualquer coisa menos do que isso o irrita profundamente.Apenas num ponto, o ex-presidente tem razão. Em seu discurso no Congresso da UNE, com aquele português de cartilha do MEC, Lula observou que é comum o governo e as estatais investirem em publicidade e afirmou: “Você liga a televisão e vê propaganda de quem? Quem é a propaganda do futebol brasileiro? Quem é a propaganda das novelas? Para eles, é democrático. Para vocês, é chapa-branca”. De fato, não é só a UNE que conta com farto e indevido patrocínio do governo. O futebol — uma corrupta e bilionária atividade — é fortemente financiado por prefeituras, Estados e União, que não hesitam em tirar dinheiro da boca das crianças para colocar na mesa farta de cartolas e jogadores. Mas a imprensa não diz nada, pois, além de lucrar com o esporte, ela teme blasfemar contra a religião do povo.
Filha da ditadura de VargasMas a razão parcial do ex-presidente não minimiza a gravidade do problema. Pelo contrário, ajuda a elucidá-lo. Ao assumir que seu governo financiou praticamente tudo, Lula confessa que o Brasil voltou à Era Vargas, quando um Estado de inspiração fascista punha a sociedade para girar em torno de si. A própria União Nacional dos Estudantes foi criada com o apoio do ditador Getúlio Vargas, no 1º Congresso Nacional dos Estudantes, em 11 de agosto de 1937, às vésperas da implantação do Estado Novo. A exemplo de Lula, Vargas buscava cooptar corporações, tanto que, em 18 de novembro de 1930, criou por decreto até a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).Essa ligação umbilical da UNE com o Estado não é boa para os líderes estudantis, pois pode servir de estágio para futuros políticos corruptos. Uma reportagem de capa do jornal “O Estado de S. Paulo”, publicada em 29 novembro de 2009, relata que “a UNE fraudou convênios, forjou orçamentos e não prestou contas de recursos públicos recebidos”. Segundo o jornal, “a entidade apresentou até documentos de empresa de segurança fantasma para conseguir aprovar patrocínio para encontro nacional em Brasília”. O “Estadão” afirma ainda que pelo menos nove convênios celebrados com o Ministério da Cultura, totalizando R$ 2,9 milhões, es-tavam em situação irregular.Ouvido pela reportagem do jornal, o então presidente da UNE, Augusto Chagas, negou que tenha havido má-fé da entidade. “A UNE também tem seus problemas administrativos. É uma organização construída por jovens, tem uma série de problemas, limites na sua condição administrativa”, disse, prometendo devolver o dinheiro, caso fossem comprovadas as irregularidades. Um dos convênios previa a produção de 10 mil livros e um documentário sobre a história da entidade. Segundo o jornal, a UNE teria 60 dias para prestar contas ou restituir em 30 dias as verbas não usadas, mas “não fez uma coisa nem outra”.
Diretório vitalício do PC do B
Convém ressaltar o que há de errado com essa fala do presidente da UNE. Ele tenta justificar a denúncia alegando que a entidade que preside é “construída por jovens”, por isso, seria compreensível os “limites na sua condição administrativa”, levando, sem querer, às irregularidades apontadas. Ocorre que a UNE, quando se arvora a ditar os rumos do país, não se julga incapaz disso por ser jovem. Pelo contrário, a juventude, nesse caso, é apresentada como qualidade, sinônimo de independência e idealismo. Por que, então, seus dirigentes se escondem por trás da pouca idade quando são chamados a dar conta das verbas que recebem do erário público?A resposta a essa pergunta exige um artigo à parte, tratando do culto à juventude que impera na sociedade e vai muito além da UNE, ainda que ela seja um de seus principais instrumentos. Por enquanto, quero chamar a atenção para um equívoco recorrente da imprensa sempre que trata do movimento estudantil. Por trás da acusação dos jornais de que a UNE se tornou “chapa-branca” está o arraigado mito de ela era independente no passado, movida exclusivamente a idealismo juvenil e sempre em busca do melhor para o país. Ocorre que a UNE não precisa do maná estatal para se tornar dependente – ela sempre foi uma eterna escrava da canga ideológica de esquerda.A UNE é uma espécie de diretório vitalício do PC do B. O partido comanda a entidade há décadas, usando o movimento estudantil como seu balão de oxigênio, uma vez que vive em coma no resto da sociedade. Não são muitos os líderes do partido sem raízes na UNE ou no movimento secundarista. Uma dessas exceções é o senador Inácio Arruda, que é do movimento de luta pela moradia do Ceará. A maioria das estrelas do PC do B ingressou na política a partir de sua atuação como dirigentes do movimento estudantil, como Aldo Rebelo (deputado federal por São Paulo), Vanessa Graziotin (senadora pelo Amazonas), Orlando Silva (atual ministro dos Esportes) e a musa gaúcha Manuela Dávila, deputada federal, cujo endereço eletrônico na página oficial do PC do B é sugestivo: eaibeleza.com.br.
De costas para os estudantes
Mantendo essa tradição, o estudante Daniel Iliescu, novo presidente da UNE, também é filiado ao PC do B, assim como Augusto Chagas, que está deixando o cargo, e Lúcia Stumpf, a presidente anterior. Convém lembrar que a eleição do presidente da entidade se dá por via indireta, o que facilita a eternização de um mesmo grupo político no poder. Isso mostra que, na prática, a UNE é mais política do que classista e nunca representou o interesse dos estudantes — apenas se vale deles para defender sua ideologia. Afinal, o verdadeiro interesse da maioria dos alunos é se formar e cuidar da vida e não pontificar em passeatas sobre os problemas nacionais, muitos deles sem nenhuma relação com o ensino.A exemplo do que acontece com os demais sindicatos trabalhistas ou patronais, o movimento estudantil também tende a ser aparelhado por profissionais da reivindicação. Quando foi eleito presidente da UNE, em 2009, o paulista Augusto Chagas, segundo noticiou a imprensa, tinha 27 anos e já havia iniciado três cursos, mas não tinha concluído nenhum. Isso sempre foi comum no movimento estudantil. Mas não se trata de incapacidade e, sim, de estratégia. Como não é possível preparar um líder do dia para a noite, não é interessante que o estudante se forme muito rápido, pois ficaria uma lacuna no movimento.Além disso, como a UNE é um celeiro político do PC do B, os líderes estudantis são potenciais candidatos do partido a cargos como o de vereador ou deputado. Mas, como as eleições são de dois em dois anos e as candidaturas dependem de alianças com outros partidos, enquanto não surge essa oportunidade, é preciso que o dirigente estudantil se mantenha nos palanques escolares, caso contrário, desaparece antes de florescer para a vida partidária. Não se trata de uma característica exclusiva da UNE, mas de uma norma dos movimentos sociais, que nada têm de espontâneos.A própria criação da UNE não foi espontânea. Além de contar com o aval do ditador Getúlio Vargas, ela nasceu sob a influência do Partido Comunista Brasileiro, de quem o PC do B iria herdar o comando da entidade. A influência da ideologia comunista no movimento estudantil pode ser medida por uma confissão do professor Gil Cesar Costa de Paula em sua tese de doutorado sobre a UNE defendida em 2009 na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Ele, que foi um dos líderes do movimento estudantil goiano, entre 1981 e 1985, conta que não se esquece da frase de um dirigente do Partido Comunista do Brasil, ao qual pertencia: “O que interessa não é o que é importante para a universidade, mas o que é importante e favorece o Partido”.
A “ânsia patrimonialista” da UNE
Aliás, se visse o trabalho do professor goiano (que integra o quadro de pesquisadores da PUC de Goiás), Lula iria acusá-lo de querer denegrir a imagem do movimento estudantil, pois o título da referida tese de Gil Cesar Costa de Paula é sintomático: “A Atuação da UNE: Do Inconformismo à Submissão ao Estado (1960-2009)”. Só que na visão do pesquisador, a submissão da UNE não se restringe ao governo Lula; começa em 1986, após a eleição pelo Colégio Eleitoral do primeiro presidente civil. A partir desse período, segundo ele, a UNE deixa de lado a insubordinação que a caracterizou durante o regime militar e passa a colaborar com os governos estaduais ou com o governo federal.Gil Costa, que entrevistou os principais dirigentes da UNE, inclusive sua então presidente nacional, Lúcia Stumpf, revela, na tese, as contradições da entidade: “Os discursos dos ex-dirigentes da UNE, em sua maioria, negam a submissão da entidade ao Estado. Os documentos que localizei demonstram uma tendência em sentido con-trário aos discursos. O período que se inicia no final de 1985 é consubstanciado na colaboração com o Estado, in-clusive, com a assumência de cargos na burocracia da ad-ministração pública”. Para o autor, outras entidades populares tiveram a mesma mudança de comportamento, “excetuando-se os trabalhadores rurais sem terra” (o que não é verdade, mas não cabe neste artigo).Ao discorrer sobre a mudança da UNE, de uma “perspectiva transformadora” para a “gerência da burocracia”, Gil Costa chega a falar numa “luta aberta por cargos públicos, a serem exercidos com ânsia patrimonialista”. O pesquisador observa que o discurso comum a todos os dirigentes da UNE é a defesa dos “ideais libertários e progressistas”. Trata-se, segundo ele, de um discurso construído pelos partidos que atuam no movimento estudantil, visando produzir uma ação uniforme em todo o país. “O objetivo é assegurar o controle partidário sobre as organizações dos estudantes, das quais a UNE é a principal conquista” — sustenta o pesquisador, salientando que os líderes estudantis e os dirigentes estatais muitas vezes são as mesmas pessoas.
A ciência encabrestada
Mesmo afirmando que a submissão da UNE ao Estado começa em 1986, Gil Costa reconhece que ela se acirra no governo Lula, “que faz a cooptação dos seus ex-dirigentes e dos atuais, com o discurso de atendimento de suas reivindicações”, que, no entender do autor, não se efetiva. “A UNE atuou em determinadas conjunturas como protagonista, mas ao priorizar os acordos e negociações com o Estado tem figurado como coadjuvante na política nacional, aderindo ao projeto de universidade do governo, sobretudo a partir da ascensão de Lula a presidente da República” — conclui o autor da tese.O pesquisador questiona outros trabalhos acadêmicos sobre a UNE, alguns produzidos na USP, que, segundo ele, não conseguem escapar da “abordagem tra-dicional que idealiza a atuação estudantil”. No seu entender, a sua tese escapa desse viés ao reconhecer a submissão da entidade ao Estado. E de fato, ela chega a ser ousada para o esquerdismo universitário, ao afirmar que “não existe o movimento estudantil organizado sem a vinculação de suas lideranças com os partidos políticos”, uma vez que, como o autor reconhece, a juventude não constitui uma classe social homogênea, necessariamente revolucionária e de esquerda. Com isso, Gil Cesar Costa de Paula pode até ser confundido com um “inimigo de classe” por um leitor apressado do PC do B. Mas engana-se o comunista que pensar assim, pois o referencial teórico do autor é todo de esquerda.Mas seria esperar muito de uma pesquisa defendida na universidade brasileira — sobretudo na Faculdade de Educação da UFG — que ela fosse se alicerçar em algum teórico que não fosse marxista, escapando da mitologia esquerdista que encabresta praticamente toda a ciência produzida no país. Gil Costa tem o mérito de reconhecer que a UNE tornou-se submissa ao Estado (e a atmosfera esquerdista em que respira torna essa afirmação ainda mais irrefutável), mas não consegue ir além dessa constatação, deixando de levar suficientemente a sério sua própria lembrança do movimento estudantil: a do dirigente comunista lhe dizendo que o que importa não é o que interessa à universidade, mas o que é de interesse do Partido.
Suspirando pela UNE mítica
Bastaria essa fala do dirigente comunista para mos-trar que o movimento estudantil nunca foi independente e nem pode ser, pois não se faz movimento social por geração espontânea. Antes de render-se ao maná do Estado, a UNE já era uma extensão das máquinas partidárias de esquerda, notadamente do PC do B. E é justamente esse o maior mal do movimento estudantil. Se a UNE fosse uma entidade plural, ela até poderia receber patrocínio do Estado; afinal, como diz acertadamente Lula, todos recebem. O problema é que, pelo fato de ser uma entidade encabrestada pela ideologia comunista, todo dinheiro público que entra nela é como se virasse fundo partidário.Prova disso é que o movimento estudantil sevicia-se nos R$ 42,8 milhões de reais do governo Lula, inclusive com direito a construir uma sede própria luxuosa, assinada por Oscar Niemeyer, mas jamais abdica dos seus ideais de destruição do Estado capitalista. Toda a pauta política da UNE, da defesa dos sem-terra ao combate à homofobia, passando pelo nacionalismo retrógrado, é ditada pela necessidade de criar problemas para o Estado capitalista (que a financia) com o objetivo de superá-lo, implantando o “outro mundo possível” eternamente sonhado pelos socialistas. Ou seja, a exemplo dos sem-terra, a UNE também é usada como uma ameaça dos partidos de esquerda contra a nação. Esse é o seu maior problema e não o fato de receber verbas públicas.Quando critica a atual submissão da UNE ao Estado, toda a imprensa suspira pela UNE mítica das lutas populares contra a ditadura e se esquece que a submissão daquela UNE era infinitamente pior do que a de agora. Enquanto a UNE de hoje se submete a um governo eleito, a do passado era encabrestada por tiranias comunistas alienígenas, importadas da União Soviética, China, Albânia, Cuba e outras ditaduras totalitárias responsáveis por mais de 100 milhões de cadáveres. Sob esse aspecto é até bom que a UNE se sevicie no maná oficial. Isso evita que ela leve o jovem a beber o sangue das revoluções, como o PC do B fez no passado ao promover — irresponsavelmente — a Guerrilha do Araguaia.