Entrevista de Miguel Nagib à revista Profissão Mestre

1 – Como, quando e por que surgiu o projeto Escola sem Partido?

O ESP surgiu em 2004 como reação ao fenômeno da instrumentalização do ensino para fins político-ideológicos, partidários e eleitorais.

2 – O senhor acredita que a doutrinação na educação é um problema grave na educação brasileira? Por quê?

É grave, em primeiro lugar, porque a doutrinação representa uma forma de cerceamento da liberdade de aprender do estudante, já que, numa de suas vertentes, essa liberdade – que é garantida expressamente pela Constituição Federal – compreende o direito do estudante de não ser doutrinado por seus professores. Trata-se, portanto, da violação a um direito fundamental, e isto, por si só, é muito grave.

É grave, em segundo lugar, porque as principais vítimas dessa prática são jovens inexperientes e imaturos, incapazes de reagir, intelectual e emocionalmente, a um professor que esteja determinado a “fazer a cabeça” dos alunos.

É grave, em terceiro lugar, devido à extensão do fenômeno: segundo pesquisa realizada pela CNT/Sensus e publicada pela revista Veja, a imensa maioria dos professores (78%) acredita que a principal missão da escola é “despertar a consciência crítica dos alunos”.

E é grave, por fim, porque esse “despertar da consciência crítica” consiste sempre na mesma coisa: martelar ideias de esquerda na cabeça dos alunos. Ou seja, os estudantes acabam não tendo acesso a versões, explicações e abordagens alternativas para os fatos e fenômenos estudados, uma vez que o mercado das ideias, no ambiente acadêmico, é praticamente monopolizado pela esquerda (eis aí, claramente demonstrado, o cerceamento da liberdade de aprender mencionado acima). Evidentemente, o problema não seria tão grave se várias perspectivas ideológicas pudessem “concorrer” pela preferência intelectual dos estudantes, num ambiente de livre circulação de ideias.

Resumindo: é grave, primeiro, porque cerceia uma liberdade assegurada pela Constituição; segundo, porque suas principais vítimas são pessoas imaturas e inexperientes; terceiro, porque é um fenômeno generalizado; e quarto, porque tem sempre o mesmo viés.

3 – Como o senhor avalia o poder de influência ideológica e/ou partidária do professor no desenvolvimento das ideias e na formação do aluno?

É um poder imenso, e todo professor sabe disso. O estudante, em sala de aula, se encontra numa situação especialíssima, pois, além de ser obrigado a escutar e aprender o conteúdo transmitido por seu professor, ele deve ser capaz de reproduzir esse conteúdo se quiser obter boas notas e ser aprovado. Intelectualmente, portanto, o aluno está submetido à autoridade do seu professor.

E o que faz o professor militante? Abusa dessa situação especialíssima para “fazer a cabeça” dos alunos. E ele faz isso de boa consciência, porque pensa estar colaborando para a “produzir uma realidade mais justa”. Na verdade, o que ele está produzindo é apenas mais um ignorante cheio de certezas, pronto para entregar os destinos da nação a políticos que pensam (ou fingem que pensam) como ele.

O prejuízo material e moral que essa prática acarreta para o estudante – lembre-se de que estamos falando de jovens imaturos, inexperientes e submetidos à autoridade do professor – não pode ser subestimado. Basta pensar, por um lado, no tempo de aula desperdiçado com o noticiário político, o “blá-blá-blá” ideológico e a propaganda partidária, principalmente em períodos eleitorais – o que compromete o próprio objeto do serviço que deveria ser prestado pelas escolas –; e, por outro, na influência de longo-prazo exercida pelos professores militantes sobre a visão de mundo desses jovens.

Bem sabem os doutrinadores que a reavaliação das idéias e convicções adquiridas durante a adolescência exige um investimento intelectual e emocional pesado demais para a maior parte das pessoas, de modo que a adesão a determinado credo ideológico, quando prestada durante essa fase crítica da vida, tende a prolongar-se por vários anos, quando não para sempre.

Sem dúvida nenhuma, boa parte do sofrimento moral experimentado na passagem da adolescência para a vida adulta poderia ser poupado se não tivéssemos de nos desembaraçar dos preconceitos ideológicos que nos são transmitidos por nossos mestres ativistas. Ao fim e ao cabo, lamentamos: quanto tempo perdido! Quanta energia desperdiçada!

4 – Os pais estão conscientes da influência que o professor pode exercer na formação do indivíduo em desenvolvimento que é a criança e o adolescente?

É triste dizer isto, mas acho que a maioria não está nem aí. Os próprios professores consideram – a meu ver com razão – que o principal problema da sala de aula é a ausência dos pais no processo educativo. Agora, por incrível que pareça, muitos pais aprovam que seus filhos sejam doutrinados. Ingenuamente, eles acreditam na balela do “pensamento crítico” (atenção: nós defendemos, com unhas e dentes, o pensamento crítico. Mas isso que está aí não tem nada de verdadeiramente crítico. É ideologia barata a serviço de interesses políticos, partidários e eleitorais).

5 – Na sua opinião, os professores nunca deveriam expressar suas opiniões em sala de aula? Ou poderiam fazê-lo se explicitassem que aquele conteúdo é um ponto de vista pessoal?

Jamais contestamos a liberdade do professor de expressar suas opiniões em sala de aula. Essa liberdade, contudo, não é absoluta. O professor não pode usá-la para “fazer a cabeça” dos alunos. A liberdade de ensinar do professor termina onde começa a liberdade de aprender do estudante.

Além disso, é preciso considerar, sempre, a idade e o nível de conhecimento do público ao qual o professor se dirige: quanto mais imaturos e inexperientes os alunos, menos liberdade terá o professor para dizer o que pensa em sala de aula.

Em todo caso, não se pode perder de vista a advertência de Max Weber: “Em uma sala de aula, a palavra é do professor, e os estudantes estão condenados ao silêncio. Impõem as circunstâncias que os alunos sejam obrigados a seguir os cursos de um professor, tendo em vista a futura carreira; e que ninguém dos presentes a uma sala de aula possa criticar o mestre. É imperdoável a um professor valer-se dessa situação para buscar incutir em seus discípulos as suas próprias concepções políticas, em vez de lhes ser útil, como é de seu dever, através da transmissão de conhecimento e de experiência cientifica.”

6 – O senhor acredita que o professor pode ser imparcial? Isso é possível?

A justificativa-padrão utilizada pelos promotores da doutrinação ideológica nas escolas é a de que “não existe imparcialidade”, já que “todo mundo tem um lado”. Para os professores e autores militantes, isto resolve o problema, pois, se não existe neutralidade, cada um que cuide de “puxar a brasa para a sua sardinha”.

A dose de má-fé embutida nesse raciocínio é extraordinária. O fato de o conhecimento ser vulnerável à distorção ideológica – o que é uma realidade inegável, sobretudo no campo das ciências sociais – deveria servir de alerta para que os educadores adotassem as precauções metodológicas necessárias para reduzir a distorção. Em vez disso, a militância o utiliza, cinicamente, como salvo-conduto para a doutrinação!

Em suma: ser imparcial pode ser impossível, mas perseguir o ideal da imparcialidade e da objetividade científica não só é perfeitamente possível, como é moralmente obrigatório para um professor.

7 – A influência ideológica e/ou partidária acontece somente em disciplinas como História e Geografia? Ou existe doutrinação também em outras matérias?

Antigamente, a ideologia contaminava apenas as ciências sociais. Hoje em dia, até a Educação Física e a Matemática entraram na dança. Cito dois exemplos:

a) trecho da apresentação de uma tese de doutorado defendida recentemente na Faculdade de Educação da USP: “o trabalho demonstra que os atuais processos de formação de professor de matemática ainda são fortemente sedimentados numa formação alienada aos ditames de uma sociedade de classes, que não permite ao futuro professor compreender e fazer uso da necessária autonomia inerente à sua atuação, o que o faz atuar como um intelectual orgânico a serviço da consolidação da hegemonia da classe dominante.”

b) trecho de um livro didático de Educação Física da Secretaria de Educação do Paraná: “A classe trabalhadora conquistou, após inúmeros enfrentamentos, a redução da jornada de trabalho e alguns direitos como o sufrágio universal. Estas conquistas preocuparam a burguesia em relação à forma como os trabalhadores poderiam aproveitar o tempo de folga. Isso seria uma poderosa arma a ser utilizada contra ela mesma (burguesia), uma vez que com esse tempo de folga e com os espaços públicos disponíveis para os momentos de lazer, seria fácil a criação de movimentos sociais contra a classe dirigente. Nesse sentido, surgiu a importância de incentivar a classe trabalhadora a aderir à prática esportiva, como forma de ocupação do tempo livre, diminuindo as possibilidades de tensões sociais.” (Obviamente, o livro não trata da situação dos esportes nos países que adotaram o regime comunista, isto é, o uso que esses regimes fizeram e ainda fazem do esporte e o modo como o esporte se desenvolveu nesses regimes…)

8 – Como o senhor vê a questão do ensino da Filosofia e Sociologia ter voltado ao currículo obrigatório do ensino médio? Acredita que os professores estão preparados para ensinar essas disciplinas livre de conteúdo ideológico?

Vejo com muita preocupação. Se a História e a Geografia já serviam de plataforma para a militância ideológica, imagine o que vai acontecer com a Filosofia e a Sociologia!

Vai acontecer, não! Já está acontecendo. Veja a opinião do sociólogo Simon Schwartzman sobre a proposta curricular para o programa de sociologia para o nível médio do Rio de Janeiro: “É um conjunto desastroso de idéias gerais, palavras de ordem e ideologias mal disfarçadas que confirmam as piores apreensões dos que, como eu, sempre temeram esta inclusão obrigatória da sociologia no curriculo escolar”.

Se o currículo está desse jeito, imagine o conteúdo das aulas!

9 – E os materiais didáticos também refletem essa doutrinação à qual o senhor se refere no Escola sem Partido? Poderia citar textualmente alguns exemplos de casos graves e evidentes de doutrinação?

A revista época publicou em 2007 uma reportagem de capa com o título: “O que estão ensinando a nossas crianças”. Há ali dezenas de exemplos.

Um caso mais recente, porém, me impressionou muito. Trata-se de um livro didático de português para alunos do 5º ano. Esse livro usa descaradamente a inveja para promover o igualitarismo. Explico.

Num capítulo intitulado “O gosto amargo da desigualdade”, os autores do livro (William Roberto Cereja e Thereza Cochar), ao fazer a introdução de um texto literário (muito ruim, por sinal), se dirigem aos seus pequenos leitores com as seguintes palavras: “Você alguma vez já se sentiu injustiçado? Seu amigo com duas bicicletas, uma delas novinha, e você nem bicicleta tem… Sua amiga com uma coleção inteirinha da Barbie, e você que não ganha um brinquedo novo há muito tempo… Se vai reclamar com a mãe, lá vem ela dizendo: ‘Não reclama de barriga cheia, tem gente pior do que você!’. Será que há justiça no mundo em que vivemos?”

Como escrevi num artigo publicado no ESP, “em vez de chamar essa tristeza [de não possuir uma coisa que outro possui] pelo nome que ela tem desde os tempos de Caim, o livro a ela se refere como ‘sentimento de injustiça’.”

Além disso, no mesmo capítulo, os alunos – crianças de 10 anos, certo? – são chamados a opinar sobre problemas sociais e econômicos que estão infinitamente acima da sua capacidade de compreensão. Tudo feito para “despertar a consciência crítica” dos alunos…

Como todos sabem, é esse o enfoque predominante nos livros didáticos. Se o livro não for “crítico”, a editora não quer, porque os professores não adotam e o governo não compra.

10 – O que os pais e as escolas podem fazer para evitar a doutrinação em sala de aula?

Os pais podem e devem reclamar; os responsáveis pelas escolas podem e devem exigir uma postura mais ética por parte dos professores. Mas se o professor estiver realmente determinado a “fazer a cabeça” dos alunos, será muito difícil impedi-lo, tendo em vista a circunstância de os abusos ocorrerem no recinto fechado das salas de aula.

Por isso acreditamos que a melhor forma de combater a doutrinação é conscientizar os alunos (e, por tabela, também os professores) dos direitos compreendidos na sua liberdade de aprender.

Com esse objetivo, o ESP elaborou o cartaz com os Cinco Deveres do Professor, que são os seguintes:

1. O professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-ideológica, nem adotará livros didáticos que tenham esse objetivo.

2. O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, religiosas, ou da falta delas.

3. O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.

4. Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.

5. O professor não criará em sala de aula uma atmosfera de intimidação, ostensiva ou sutil, capaz de desencorajar a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus, nem permitirá que tal atmosfera seja criada pela ação de alunos sectários ou de outros professores.

Defendemos que um cartaz como este seja afixado em todas as salas de aula das últimas séries do ensino fundamental, do ensino médio e dos cursinhos pré-vestibulares; ou, pelo menos, nas salas dos professores.

Além de conscientizar os estudantes dos seus direitos – o que é uma questão de estrita cidadania –; e de dar-lhes os meios de que eles necessitam para se defender do professor militante, esse cartaz expressa um apelo à consciência moral do professor, recordando-o de que ao lado da sua liberdade de ensinar está a liberdade de aprender dos alunos.

11 – Sei que a questão é muito mais complexa do que um termo pode definir, mas o senhor se considera uma pessoa mais de direita ou de esquerda no sentido político ideológico?

Como você mesma afirma, com toda a razão, “é consenso que a visão da maioria dos professores é de esquerda”. E é fato notório, também, que a doutrinação político-ideológica praticada nas escolas brasileiras tem um viés claramente de esquerda. Então, qualquer um que se oponha ao que esses professores estão fazendo é automaticamente classificado como adversário da esquerda; logo, como uma pessoa de direita. E com essa rotulação eles procuram desqualificar o esforço que estamos fazendo.

Não importa se eu sou de direita, de esquerda ou de centro. O que importa é que o ESP não promove a defesa de qualquer ideologia. O que defendemos, juntamente com a ideia de que todo professor tem o dever moral de perseguir o ideal de neutralidade e objetividade científica, é a desmonopolização ideológica do ambiente acadêmico. Explico.

Toda ideologia – seja de esquerda, de direita ou de outro gênero – atrapalha a nossa compreensão da realidade. Mas nada atrapalha mais essa compreensão do que ver o mundo sob as lentes de uma única ideologia. Numa atmosfera onde concorram diversas ideologias, a visão necessariamente parcial oferecida por determinado enfoque ideológico pode ser confrontada, impugnada e complementada pela visão igualmente parcial oferecida por outra ideologia. E desse choque entre as diversas perspectivas o estudante poderá formar uma visão mais abrangente e efetivamente crítica da realidade.

Em matéria de conhecimento, o pior dos mundos é o do monopólio ideológico. Por isso, as escolas também deveriam se esforçar para promover a diversidade ideológica dos seus respectivos corpos docentes.

12 – É consenso que a visão da maioria dos professores é de esquerda. Se fosse o contrário o senhor ainda assim teria tido a iniciativa do Escola sem Partido? Desculpe a provocação, mas gostaria de ler seus argumentos para não correr o risco de fazer propaganda para um lado ou para o outro. A minha visão (aqui quem comenta é Yannik pessoa, não a repórter que tentará abordar o tema com o máximo de imparcialidade possível) é que a escola e o professor deveriam dar o mesmo espaço para todas as correntes.

Como eu disse, toda ideologia – seja de esquerda, de direita ou de outro gênero – atrapalha a nossa compreensão da realidade. Meu interesse é saber como as coisas realmente são (ou foram). Não quero aprender uma história falsificada por mais que ela me agrade ou corresponda aos meus preconceitos. E obviamente não desejo isto para os meus filhos. Mas é um erro pensar que todas as correntes ideológicas se equivalem, que todas são igualmente nocivas. A História – sobretudo a do século XX – já mostrou que não é assim. Portanto, a resposta à sua pergunta é: talvez.

13 – O senhor poderia me mandar um breve resumo do seu currículo e os itens que integram uma lista sobre os “deveres do professor”? Quem elaborou essa lista?

Sou advogado, casado, 49 anos e quatro filhos. A relação de Deveres do Professor foi elaborada por mim e alguns colaboradores do ESP.

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