Reportagem publicada na revista Veja, edição de 8 de setembro de 2004.
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Assim como os internatos muçulmanos, as escolas dos sem-terra ensinam o ódio e instigam a revolução. Os infiéis, no caso,somos todos nós
Monica Weinberg
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) criou sua própria versão das madraçais – os internatos religiosos muçulmanos em que crianças aprendem a recitar o Corão e dar a vida em nome do Islã. Nas 1.800 escolas instaladas em acampamentos e assentamentos do MST, crianças entre 7 e 14 anos de idade aprendem a defender o socialismo, a “desenvolver a consciência revolucionária” e a cultuar personalidades do comunismo como Karl Marx, Ho Chi Minh e Che Guevara. “Sem-terrinha em ação, pra fazer a revolução!”, gritam os alunos, de mãos dadas, ao final de eventos e apresentações. Pelo menos 1.000 dessas escolas são reconhecidas pelos conselhos estaduais de educação – o que significa que têm status idêntico a qualquer outro estabelecimento de ensino da rede pública e que seus professores são pagos com dinheiro do contribuinte. Elas nasceram informais, fruto da necessidade de alfabetizar e educar os filhos de militantes do movimento – que chegam a ficar durante anos acampados nas fazendas que invadem, à espera da desapropriação. No fim dos anos 80, atendendo a uma reivindicação do MST, o governo passou a integrar essas escolas improvisadas à rede pública. Parte delas funciona nas antigas sedes das fazendas invadidas, parte foi construída pelos Estados e municípios. Ao todo, as escolas do MST abrigam 160.000 alunos e empregam 4.000 professores.
A reportagem de VEJA visitou duas delas, ambas no Rio Grande do Sul. Tanto a escola Nova Sociedade, em Nova Santa Rita, quanto a Chico Mendes, em Hulha Negra, exibem, nas classes e no pátio, a bandeira do MST; no currículo, abordagens ausentes da cartilha do Ministério da Educação e que transmitem a ideologia sem-terra. Os professores utilizam, por exemplo, uma espécie de calendário alternativo que inclui a celebração da revolução chinesa, a morte de Che Guevara e o nascimento de Karl Marx. O Sete de Setembro virou o “Dia dos Excluídos”, e a Independência do Brasil é grafada entre aspas. “Continuamos dependentes dos países ricos”, justifica o professor de história da escola Nova Sociedade, Cícero Marcolin. No ano passado, seus alunos aproveitaram o Dia da Independência, ou “independência”, para sair em passeata pelas ruas da cidade carregando faixas com críticas à Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Na escola Chico Mendes, professores exibem vídeos que atacam as grandes propriedades e enaltecem as virtudes da agricultura familiar, modelo que o MST gostaria de ver esparramado no território nacional: “A pequena propriedade é oprimida pelos grandes latifúndios, que só fazem roubar emprego do povo”, diz um dos filmes. A mesma fita é usada para ensinar aos alunos que os produtos transgênicos “contêm veneno”. A reportagem de VEJA assistiu a uma dessas aulas. No fim da exibição do filme, o professor pergunta quem da classe come margarina. A maioria das crianças levanta o braço. Tem início o sermão: “Margarina é à base de soja, que pode ser transgênica e, por isso, ter ve-ne-no!” A atividade seguinte foi uma encenação teatral. No pátio, carregando bandeiras do MST, crianças entoaram uma música que dizia: “Traga a bandeira de luta / Deixe a bandeira passar / Essa é a nossa conduta / Deixe fluir para mudar”. Para encerrar, deram o grito de guerra conclamando para a revolução.
O MST implementou um sistema de ensino paralelo, sobre o qual o poder público não exerce quase nenhum controle. O Ministério da Educação desconhece até mesmo quantas são e onde estão exatamente as escolas públicas com a grife do movimento. E as secretarias estaduais e municipais de ensino, embora sustentem as escolas, enfrentam dificuldades até para fazer com que professores não ligados aos sem-terra sejam aceitos nas salas de aula. “O MST torna a vida do educador que vem de fora um inferno”, diz Gislaine do Amaral Ribeiro, coordenadora estadual das escolas de assentamentos na região de Bagé, Rio Grande do Sul. Nos assentamentos, pelo menos a metade do corpo docente vem do MST. Já nos acampamentos, todos os professores pertencem ao movimento. Muitos não têm o curso de magistério completo – pré-requisito básico para a contratação na rede pública –, e alguns não chegaram sequer a terminar o ensino fundamental. “A realidade é que há pessoas atuando como profissionais da educação nessas escolas sem o mínimo de preparo para exercer a função”, reconhece o secretário estadual de Educação do Rio Grande do Sul, José Fortunati. O governo gaúcho diz que está de mãos atadas diante da situação, porque herdou um grande número de professores contratados pelo governo anterior, do PT. Pela proximidade com o MST, a antiga gestão teria sido mais complacente na contratação do corpo docente. A secretaria diz estar pleiteando junto ao MEC verbas para implantar um programa para dar a esses professores o nível básico de estudo para que possam lecionar.
Em seu Caderno de Educação de número 8, o MST deixa claro que a educação que pretende dar a seus alunos deve ter “o compromisso em desenvolver a consciência de classe e a consciência revolucionária”. A rigor, nada impede que uma organização como o MST queira propagar sua ideologia para crianças que mal aprenderam a escrever o próprio nome. O problema é fazer isso dentro do sistema de ensino público e com dinheiro do contribuinte. A legislação brasileira preserva a autonomia das escolas, desde que cumpram o currículo exigido pelos Estados e estejam em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, que prega o “pluralismo de idéias” e o “apreço à tolerância” – elementos básicos para que as crianças desenvolvam o raciocínio e o espírito crítico. Não são os critérios adotados no território dos sem-terra. “Essas escolas estão aprisionando as crianças num modelo único de pensamento”, observa a pedagoga Sílvia Gasparian Colello, da Universidade de São Paulo.
Um modelo, acrescente-se, falido do ponto de vista histórico e equivocado do ponto de vista filosófico. Está-se falando, evidentemente, do marxismo. Falido porque levou à instauração de regimes totalitários que implodiram social, política e economicamente. Equivocado porque, embora se apresente como ciência e ponto final da filosofia, nada mais é do que messianismo. De fato, o marxismo não passa de uma religião que, como todas as outras, manipula os dados da realidade a partir de pressupostos não verificáveis empiricamente. E, assim também como as religiões, rejeita violentamente a diferença. “Burgueses não pegam na enxada / Burgueses não plantam feijão / E nem se preocupam com nada / Arrasam aos poucos a nação”, diz a letra de uma das canções ensinadas aos “sem-terrinha”. Da mesma forma que os internos das madraçais, as crianças do MST são treinadas para aprender aquilo que os adultos que as cercam praticam: a intolerância.