Prezado Diretor, Vice-Diretora e equipe da editora,
Gostaria de deixar registrada a minha insatisfação coma escolha do livro didático Porta Aberta Ciências – 5º ano (Editora FTD), autoras: Ângela Gil e Sueli Fanizzi, em especial o capítulo inteiro dedicado ao sistema reprodutor: “O corpo humano: sistema genital, mudanças no corpo e manutenção da saúde”.
É interessante notar que os demais sistemas do organismo humano (cardiovascular, esquelético, articular, nervoso, muscular, órgãos dos sentidos e glândulas endócrinas) estão todos reunidos em uma só unidade que vai da página 126 à 140. A Unidade 7, cujos tópicos abordados são “sistema genital masculino e feminino; fecundação; menstruação e doenças sexualmente transmissíveis”, além de uma entrevista com psicóloga, tem o mesmo número de páginas.
Ao longo de todo o capítulo, e lembremos que este é um livro para crianças entre 9 e 11 anos, inúmeros pontos chamam a atenção e já começa na primeira página. Ali há quatro figuras principais: um grupo de adolescentes (maiores de 16 anos aparentemente), uma mulher grávida realizando os exames de pré-natal, um ultrassom e, finalmente, OITO camisinhas (coloridas, claro!).
Na página seguinte, o tema é “Sistema genital masculino e feminino” e a PRIMEIRA pergunta, antes que se inicie o texto do assunto, é: “O que você acha importante um casal considerar antes de resolver ter um filho?”. Fica a nossa pergunta (embasbacada, óbvio): “O quê? Qual a relação dessa pergunta com o sistema genital masculino e feminino?” Em seguida, o texto começa: “Uma das características dos seres vivos é apresentar um ciclo de vida: eles nascem, crescem, podem se reproduzir e morrem.” Engraçado como uma palavra já muda o contexto e tenho certeza que esse “podem se reproduzir” não está relacionado com casais inférteis. Essa minha certeza será logo demonstrada. Sigamos.
Alguns parágrafos adiante, tem-se o seguinte texto: “Essas transformações físicas, que ocorrem tanto no menino como na menina, vêm acompanhadas de transformações emocionais e comportamentais. Nessa fase surge a atração física, geralmente entre os sexos opostos.” Novamente só cabe perguntar: “Geralmente???” A última frase do parágrafo é totalmente desnecessária. Qual o objetivo de ela constar no livro a não ser tentar, desde já, “enfiar” na cabeça de crianças de 9, 10 e 11 anos a “normalidade”? Viram como o “podem se reproduzir” tem um significado muito maior?
O próximo tópico é “Como o espermatozoide entra no corpo da mulher?” e a resposta começa com “Quando duas pessoas de sexos opostos têm relação sexual, os espermatozoides saem do pênis (…) e são lançados no canal da vagina (…).” Ou seja, nessa explicação “de sexos opostos” já estão deixando claro que filhos não são feitos por sexo entre pessoas de mesmo sexo, afinal de contas, como o livro estabelece, isso acontece, mesmo que geralmente seja entre sexos opostos. É triste como estão tentando a todo custo sexualizar nossas crianças antes do tempo e sob a justificativa de que eles estão muito mais antenados e sabem demais das coisas. É óbvio que sabem, pois chegam da escola com tais informações, sejam da própria escola ou de outros alunos, cujos pais infelizmente terceirizam a educação à escola. Essa que também, na prática, toma para si a tarefa de educar e não se ensinar.
Em seguida temos o tópico sobre “Menstruação” e a primeira pergunta é “A menstruação pode ocorrer durante toda a vida de uma mulher?”. Em um livro perfeito, haveria essa resposta no texto, mas não há. Os parágrafos seguintes falam somente sobre o ciclo menstrual e os exercícios de fixação são de matemática que englobam o cálculo de quando uma jovem ficará menstruada dada a data da menstruação no mês anterior e quantas vezes ela ficará menstruada durante o ano.
Agora temos o tópico “Ler para saber mais” que trata da Adolescência. Antes de ler o que diz o livro, saliento que é um livro para crianças que AINDA NÃO SÃO adolescentes. Enfim, vamos ao texto: “(…) Além de o jovem observar seu corpo se transformando, passa também por momentos de angústia, de contestação, de redefinição de valores, de instabilidade de humor. Novos relacionamentos começam, e, muitas vezes, o jovem acaba preferindo ficar entre os amigos a estar com a família. Essa opção se dá porque há uma identificação com os amigos da mesma idade. Eles têm comportamento, características, angústias, ideias e desejos iguais ou muito parecidos. Essa identificação, em geral, acaba ajudando o jovem a enfrentar os desafios dessa fase, as modificações de seu corpo e de seus sentimentos. (…) o adolescente (…) porém se torna adulto quando passa a assumir compromissos profissionais, adquire independência econômica, entre outros. Lidar com todas as transformações desse período da vida não é uma tarefa fácil para os adolescentes. Por isso é necessário que os adultos procurem entender cada mais as manifestações típicas dessa idade.” (o texto termina nesse ponto)
Como mãe de um futuro adolescente que estuda em uma escola que preza tanto a família, fiquei muito surpreendida com a escolha de um livro didático que claramente diz aos alunos de 9 a 11 anos que os pais têm que entendê-los e que a opção de ficar com os amigos deve ser respeitada, ao contrário dos pais; e que define a saída da adolescência para a vida adulta da forma como foi feita (só se torna adulto quando está no primeiro emprego, por acaso?). Aliás, o que o texto quer dizer com redefinição de valores? Os valores são tratados pela família sempre, desde que as crianças nascem e, mesmo tendo seus períodos de rebeldia e contestações (salvo exceções), os adolescentes não redefinem valores. Ao contrário até, pois fora de casa eles defendem os valores familiares!
Em seguida vêm as perguntas: “O que você pensa a respeito da gravidez na adolescência?” e “Que dúvidas você tem sobre sexo?” e um trecho que deve ser lido e explicado pelo aluno “O jovem passa também por momentos de angústia, de contestação, de redefinição de valores e de instabilidade de humor.” Essas são perguntas para crianças do 5º ano? Dúvidas sobre sexo? Gravidez na adolescência? Estamos falando de meninas e meninos que não têm noção do que se trata isso. Os meninos ainda têm pênis totalmente infantis, por exemplo!
Estranho também é um texto que fala sobre a adolescência não mencionar EM NENHUM MOMENTO as drogas, que estarão muito mais perto deles e mais cedo do que o sexo!
Mas ainda não acabou. O próximo tópico é “Doenças sexualmente transmissíveis” e a pergunta logo após é “Você já ouviu falar de doença sexualmente transmissível?”. Claro que esses alunos já ouviram falar, não é mesmo? Afinal de contas que família não trata de sífilis e gonorreia no jantar? O texto tem início informando que as DSTs são transmitidas por contato sexual sem camisinha e em nenhum momento, já que (acredito eu) as autoras desejam informar CRIANÇAS a respeito do assunto, se fala que, mesmo com camisinha, algumas doenças são transmitidas mesmo assim. Aliás, nunca se afirmou que as camisinhas são 100% eficazes e já há estudos científicos sérios que demonstram que o excesso de propaganda para o uso da camisinha não diminui o contágio. A prova está registrada em dados coletados nos últimos censos, onde o número de infectados não diminuiu. Pelo contrário, aumentou! Certamente não são campanhas de Carnaval, tampouco “explicar” para alunos de 5º ano que devem usá-la!
Obviamente a AIDS não poderia ficar de fora do capítulo. Mas o mais interessante vem no tópico “Ler para se informar”, cuja pergunta é: “O que a Aids tem a ver comigo?” e cujo texto começa assim: “Provavelmente você já ouviu falar da Aids na televisão, nas revistas, nos jornais, num papo com os amigos, em casa, na escola… Enfim, o que importa agora é trocarmos umas ideias sobre esse assunto.” Claro que crianças de, repito, 9 a 11 anos lêem e vêem jornais DE ADULTOS todos os dias e o papo com os colegas no recreio envolve certamente discussões a respeito das DSTs (aliás, alguém tem coragem de discutir isso com colegas???). Depois de dizer que o contágio pode ser através do contato com líquidos (sangue, esperma e secreções vaginais), o livro explica que a camisinha parece uma bola de soprar que cobre o pênis durante a relação sexual. Logo em seguida mencionam as agulhas, seringas e instrumentos usados por dentistas, médicos e manicures, que devem ser esterilizados para eliminar o HIV. Novamente vem a minha pergunta: por que não mencionar as drogas?
Os exercícios de fixação envolvem fazer um resumo da parte do texto que informa como o vírus da Aids pode entrar no organismo e a pergunta “por que é importante usar camisinha na relação sexual?”. Cansa escrever este texto e imaginar que meu filho estará “estudando” esse assunto.
Logo após a Aids, temos uma entrevista com a psicóloga Lídia Aratangy onde ela afirma que “nada substitui uma boa conversa com pessoas com quem a gente tem intimidade e a quem respeitamos.” Obviamente não devem ser os pais. Ah, verdade, são os amigos e nós, pais, devemos entender. No entanto, ela responde algo interessante (ufa!): “Prefiro que os professores lidem com as questões de sexualidade quando elas aparecerem no cotidiano da escola, de acordo com as dúvidas que surgirem.” Fica minha pergunta: Por que não lidar pontualmente com as questões que surgem? Por que sexualizar as crianças antes do tempo, sendo que essas informações para seres em desenvolvimento podem atrapalhar o andamento natural do crescimento?
A última resposta envolve quem tem mais probabilidade de pegar Aids e a resposta da psicóloga é a de que são aquelas que têm fazem sexo sem camisinha ou que têm mais de um parceiro. Será que é mesmo necessária tanta informação para crianças dessa idade? Será que eles têm maturidade suficiente para entender essas questões sendo que eles nem sequer iniciaram o processo de “adolescer”? Muitos afirmam que é uma realidade da vida, mas, e principalmente, em uma escola cristã, os valores cristãos deveriam estar O TEMPO TODO sendo transmitidos e praticados por toda a comunidade escolar.
O capítulo continua falando sobre HPV e, além de outras, pergunta “Você considera importantes as propagandas do uso de camisinha nas rádios e TVs? Por quê? Justifique.” Bom, se antes o aluno nem prestava atenção no assunto, agora ele certamente estará atento a essas propagandas! Na parte “Ler para saber mais” o aluno é informado de uma mentira, pois a vacina contra o HPV não é a principal prevenção no Brasil. Aliás, a vacina é controversa e já houve inúmeros problemas com a sua aplicação na Europa.
Em seguida há mais perguntas, sendo uma delas “Como as DSTs podem ser transmitidas a uma mulher? Como elas se manifestam?” e a sugestão de um livro “O planeta eu: conversando sobre sexo”, de Liliana Iacocca, onde o aluno pode aprender sobre orientação sexual e outros assuntos.
No livro constam ainda as questões para lição de casa. Em uma das questões há um desenho entre duas meninas com o seguinte diálogo: “Cláudia, você sabia que para uma mulher ficar grávida são necessárias muitas relações sexuais?” e a resposta: “Eu acho que não, Anita. Já ouvi falar que uma mulher pode ficar grávida em sua primeira relação sexual.” Em seguida é perguntado aos alunos qual das meninas possui a informação correta e em que condições é possível à mulher ficar grávida em sua primeira relação sexual. A próxima lição envolve o texto “Adolescência” e as questões são: (1) quantos anos você tem?, (2) Você se considera uma adolescente?, (3) Justifique a resposta anterior esclarecendo as razões para a resposta dada, (4) Quando você está triste, com quem costuma conversar?, (5) De acordo com o texto, como o adolescente enfrenta os desafios dessa fase? Você consegue identificar esse comportamento em vocÊ? Além dessas seguem mais questões sobre DST e Aids. Fica a minha pergunta para a escola: como serão tratados esses assuntos em sala de aula?
Nada disso me parece Ciências a ser ensinada a crianças de 9 a 11 anos. Aliás, o texto referente aos sistemas reprodutores masculino e feminino é tão curto que as crianças sairão, após a leitura do livro, tão ignorantes quanto iniciaram, no entanto, terão a certeza de que DST e AIDS fazem parte da vida sexual saudável de qualquer pessoa.
Um livro que trata dessa forma um assunto que deveria ser tratado em família para crianças tão novas não deveria ser escolhido pela escola e, por isso, deixo aqui meu registro de total discordância e insatisfação com a forma com que o assunto foi tratado, ou seja, de maneira nada científica e sim como mero depósito de ideias não-cristãs em cabeças ainda em formação, além de dar início a uma retirada de poder dos pais, conforme já descrito.
Envio este email à (editora), às autoras do livro e (à escola) para que tomem ciência da minha insatisfação.
Atenciosamente,
Késsia Poranga Nina Ribeiro