Por Denis Lerrer Rosenfield
Não nos enganemos. Está em curso um verdadeiro desmonte das universidades brasileiras, públicas e privadas, federais e estaduais, pelo anteprojeto de lei elaborado pelo Ministério da Educação. Com um vocabulário pretensamente social, o projeto visa a ideologizar o ensino superior, estabelecer formas de controle partidário por organizações ditas sociais e abolir o mérito como critério de conhecimento. Estamos diante de uma renovação do “sovietismo” ou, ainda, de uma subordinação do conhecimento a critérios determinados como sociais por burocratas de coloração partidária. O stalinismo ganha, assim, uma faceta institucional, pretensamente correta. O PT das trevas mostra a sua face.
Para quem conhece os documentos do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social elaborados pelo ministro Tarso Genro, fica claro que presenciamos um mesmo processo de controle da sociedade, desta feita, da educação. O ministro mudou de pasta, porém não de concepção, que continua, como antes, enraizada em suas antigas idéias revolucionárias. A ambigüidade no uso das palavras é, aliás, uma expressão daquilo que é omitido. O vocabulário e os nomes mudaram, a postura antidemocrática continua a mesma.
Quando é dito que “o ensino de qualidade será aferido por processos participativos de avaliação e executados por mecanismos democráticos de gestão”, deve-se ler “processos participativos” por uma repetição dos “orçamentos participativos”, implantados no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, que subordinavam qualquer decisão dita popular ao controle partidário-burocrático do governo. Da mesma maneira, “mecanismos democráticos de gestão” significam o império das corporações sobre a universidade. Aliás, na “eleição direta” para reitor nem é exigido que ele seja um professor titulado. Pode ser um estudante ou um funcionário. Por que não um funcionário da segurança ou um aluno de primeiro ano? Precisaria ser alfabetizado? Tudo dependeria, evidentemente, da “participação” e da “democracia”! Caberia a um “Conselho Comunitário Social”, novo nome do “orçamento participativo”, elaborar relatórios que seriam obrigatórios na avaliação da universidade, o que significa que as corporações de funcionários, estudantes e professores, juntamente com o MST, a CUT e, indiretamente, o próprio PT, decidiriam sobre os rumos da pesquisa, do ensino e da extensão. Se a pesquisa, a formação, a ciência e a tecnologia são centrais do ponto de vista da soberania de um país, elas não são consideradas, senão nominalmente, nesse anteprojeto por ficarem atreladas ao imediatismo de um governo que se rege, na área da educação, por preceitos que seriam admiravelmente bem aceitos em Cuba ou na ex-URSS. Por que não enviá-lo a Chávez e livrar o Brasil desse desserviço à educação nacional?
A consulta à “sociedade civil”, tão apregoada em todo o anteprojeto, é outra dessas expressões que encobrem, sob um rótulo aceitável, a participação direta do MST e da CUT nos processos internos da universidade, viabilizando uma ideologização e uma partidarização das instâncias universitárias. Aliás, o ministro não escondeu a consulta que fez ao MST, organização revolucionária que usa sistematicamente da violência, para decidir dos rumos da reforma universitária. O artigo 3º, inciso II, é particularmente claro, embora, como sempre, elíptico: a educação superior atenderá às “demandas específicas de grupos e organizações sociais, inclusive do mundo do trabalho, urbano e do campo, voltados para o regime de cooperação”. Só faltaria designar diretamente os interlocutores, mas não ficaria bem para um anteprojeto que deve ainda passar pelo Congresso Nacional!
Esse mecanismo de consulta, de participação e de dita democracia é sobremaneira conhecido nos lugares, Estados e municípios, onde os setores mais à esquerda do PT foram governo. Trata-se pura e simplesmente de uma consulta que o PT faz a si mesmo, curtocircuitando toda a sociedade por intermédio dos interlocutores de plantão, que são as organizações sindicais afins a esses setores esquerdistas, o MST, a CPT e movimentos congêneres. Em nome de uma pretensa consulta à “sociedade civil”, esta some como interlocutora, surgindo em seu lugar as “organizações sociais” que têm uma ideologia revolucionária.
O dirigismo estatal coloca-se, então, como instrumento desse processo de desmonte da universidade ao instituir os burocratas-partidários como os sábios que deverão determinar as necessidades sociais e as regionais que serão obrigatoriamente atendidas pelas universidades.