Reportagem da Gazeta do Povo (Curitiba) sobre uso político-partidiário da prova do Enade de 2009 (15.11.2009).
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O Exame Nacional de De sem penho dos Estudantes, o Enade, aplicado no último domingo, trouxe à tona uma infeliz constatação: a educação está se prestando mais à doutrinação ideológica do que à instrução propriamente dita, segundo os especialistas consultados pela Gazeta do Povo que tiveram acesso à prova do Ministério da Educação (MEC). O pior, afirmam, é que essa prova não é uma exceção, mas apenas um novo exemplo do que está se tornando regra no ensino brasileiro.
O exame – que tem como objetivo avaliar o desempenho de estudantes do primeiro e último anos do ensino superior e foi aplicado a mais de 1 milhão de estudantes de todo o país – abordava na primeira parte, comum a todos os cursos, dez questões de formação geral. Deste total, quatro faziam referências a ações do governo federal, além de outras abordagens ao longo das provas específicas. “As questões são politiqueiras, pois trazem a um público significativo – em termos de número de eleitores – as informações que o governo quer deixar gravadas na memória e que virão à tona na hora em que esses fatos forem incorporados como plataformas eleitoreiras”, afirma Araci Asinelli da Luz, professora da Universidade Federal do Paraná e doutora em Educação. Segundo ela, as respostas consideradas certas são “unilaterais e impositivas”, ou seja, excluem e até mesmo desqualificam outras formas de pensamento. “É a ideia do governo salvador. Uma vergonha; as sociedades científica e acadêmica deveriam se posicionar, mostrar o que estão fazendo em nome de uma avaliação”, acrescenta.
Mais do que a exaltação do governo federal, o Enade reproduz a ideologia de esquerda, alerta o professor e educador João Malheiro. “Além da propaganda, é uma ideologia marxista que se vê na prova. Já, já, vamos chegar ao governo de Hugo Chávez. A diferença é que aqui a mensagem é subliminar”, diz o educador, para quem tal prática não é exclusiva do Enade 2009. “Isso já se viu em anos anteriores, se vê no Enem, nos vestibulares e até mesmo nos livros didáticos”, denuncia.
Para Miguel Nagib, advogado e coordenador do Escola Sem Partido, grupo criado em 2004, a prova do MEC apenas corrobora uma realidade há muito presente no ambiente escolar brasileiro. “O viés ideológico de esquerda tem sido adotado há anos. As próprias provas de acesso ao magistério são verdadeiros filtros ideológicos, assim como as de acesso ao ensino superior. A doutrinação é praticada ao longo dos ensinos fundamental e médio por esses professores que já foram doutrinados, criando uma realidade paralela. O perigo disso é eliminar um lado da verdade”, analisa. Fortalece-se a doutrina, perde-se em instrução, diz o professor de Filosofia Carlos Rama lhe te. “Em História, Geografia e Sociologia se vê muito do mecanismo de pregação. O sujeito sai do ensino médio sem saber que estados formam o Nordeste ou o Norte, porque a prioridade é doutrinar e não ensinar”, explica.
Os especialistas apontam ainda outra consequência: a valorização das instituições que reproduzem o que se considera “certo” em detrimento das que não seguem o modelo adotado como correto pela prova. “Isso faz com que o governo – e não o mercado, as empresas e os alunos – dite um currículo e passe a dizer que uma universidade é boa”, afirma Ramalhete. O próprio Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pela aplicação do Enade, reconhece que um dos seus objetivos é consolidar uma avaliação que prestigie as instituições de ensino que ofereçam educação de qualidade. No entanto, Malheiro se pergunta até que ponto um exame carregado de ideologia pode servir como um instrumento justo. “Os sistemas de avaliação pouco avaliam e seus resultados de pouco servem para melhorar as universidades. O objetivo acaba sendo distribuir recursos aos seus pupilos”, afirma.