MEC retira da rede pública livro didático que exalta Mao
Obra dada a alunos de 8ª série diz que União Soviética caiu em razão do consumismo
“Nova História Crítica”, de Mario Schmidt, elogia Revolução Cultural chinesa sem mencionar abusos do Partido Comunista
ANGELA PINHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA Mao Tse-tung foi um “grande estadista” que “amou inúmeras mulheres” e “foi correspondido”. A Revolução Cultural chinesa foi uma época em que se lutou contra “velhos hábitos, velha cultura, velhas idéias, velhos costumes”. E a derrocada da União Soviética, reflexo do desejo por carros importados, bons restaurantes, aparelhos eletrônicos, roupas de marcas famosas e jóias.
As afirmações estão no livro “Nova História Crítica” (ed. Nova Geração), de Mario Schmidt, que é distribuído a alunos de 8ª série de escolas públicas desde 2002 -de 2005 a 2007, foi quase 1 milhão de exemplares, que o alçaram ao posto de mais adquirido na área pelo Ministério da Educação. Só em 2007, a pasta gastou R$ 944 mil nessa compra. A partir de 2008, a obra não estará no PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), segundo Jane Cristina da Silva, da SEB (Secretaria de Educação Básica), já que, em abril, a comissão que o avalia viu nela “problemas conceituais”.
Com uma leitura esquerdista quase maniqueísta e erros de português, o livro condena o capitalismo por visar “o lucro” e enaltece a “teoria marxista-leninista”, que buscaria o “bem-estar social”. Elogia a Revolução Cultural chinesa, sem se referir aos assassinatos e abusos da disputa pelo poder no Partido Comunista Chinês. Conforme o MEC, as obras do PNLD são avaliadas a cada três anos por especialistas escolhidos pelas universidades federais a partir de critérios da pasta. Terminada a avaliação, as escolas recebem um catálogo de resenhas e escolhem as que querem usar. Sem interferência do MEC, disse o ministro Fernando Haddad.
Trechos de “Nova História Crítica” foram publicados ontem em “O Globo”. Afirmando não conhecer a obra, Haddad disse que, em tese, “o livro didático deveria zelar para não emitir juízos de caráter ideológico”. Nas avaliações de 2002 e 2005 do PNLD, a obra havia sido aprovada “com ressalvas”. O catálogo distribuído aos professores há dois anos dizia que “os recursos usados para facilitar a apresentação de sínteses explicativas resvalam no maniqueísmo e em uma visão muito simplificada dos processos e contradições sociais”. Mas viu “grande potencial pedagógico” nos recursos da obra, “se bem aproveitados pelo professor”.
“Direita raivosa”
“Estes livros já estão no mercado há mais de dez anos, não entendo por que essa crítica agora”, disse Arnaldo Saraiva, editor da Nova Geração. “É lógico que o livro tem um posicionamento político, todos os livros têm”, afirmou. “O livro do Mário é perseguido há mais de dez anos pela direita raivosa.” Procurado por meio da editora, o autor não se manifestou.
Colaborou WILLIAN VIEIRA
TRECHOS DO LIVRO
PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
“Por que os homens fazem as guerras? Por que matar pessoas que nunca viram antes? (…) “O principal motivo para o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi a rivalidade entre as nações imperialistas. Em nome dos ideais nacionalistas, os soldados se trucidaram nos campos de batalha. A burguesia sonhou com os lucros, mas a guerra trouxe a realidade da fome, da desgraça e da morte” APOIO DO POVO A STÁLIN
“Cada trabalhador tinha a certeza de que viveria com uma segurança mínima, comeria todos os dias, seu filho iria à escola, não teria de mendigar quando ficasse velho. Com todos esses progressos, as pessoas tendiam a se acomodar” CAPITALISMO X SOCIALISMO
“No capitalismo, as vitrines expõem produtos maravilhosos, mas nas calçadas podem haver (sic) mendigos. No socialismo soviético, as vitrines eram pobres, mas as calçadas não abrigavam miseráveis. O que é mais importante: a vitrine ou a calçada?” CHINA
“Mao Tsé-Tung teve uma grande oportunidade de estudar na Europa, mas preferiu ficar na China e lutar por seu povo. Foi um grande estadista e comandante militar. Escreveu livros sobre política, filosofia e economia. Praticou esportes até a velhice. Amou inúmeras mulheres e por elas foi correspondido (…)
Matéria publicada na Folha de São Paulo, edição de 19 de setembro de 2007.