Por Márcio Santana *
“Numa das aulas, o professor disparou: os EUA não podem se gabar de serem os melhores da América, uma vez que teriam sido colonizados por prostitutas, ladrões e outros tipos bizarros que haviam escapado da Europa.”
Meu contato com a pregação do marxismo em sala de aula começou cedo. Lembro-me nitidamente de uma professora de geografia na 8ª série (cursada em 1993) que gastava aulas e mais aulas para falar das condições de trabalho dos professores (baixo salário, falta de giz, material didático etc.). Na época, pouco me importava com aquilo tudo. Eu era o que os marxistas chamam – com deboche – de um perfeito alienado.
A preocupação dos alunos era basicamente com a geografia em si, no período ainda muito ligada à geografia física (hidrografia, climas, vegetação). Toda aquela conversa sobre greves, política etc., parecia-me enfadonha. Salvo engano, nesse período ocorreram algumas greves, que muito atrapalhavam a vida de todos os alunos.
O fato concreto é que pouca aula nós tínhamos, pois a prezada mestra se preocupava basicamente em nos converter em petistas. Para a maioria dos meninos, a informação entrava por um ouvido e saía pelo outro. Alguns poucos começavam a dar ouvidos àquela conversa toda.
A escola em questão é Helena Lombardi Braga, instituição pública no bairro de Itaquera. O que deu margem à pregação petista-esquerdista na escola foi a existência de uma diretora – a malfadada dona Vanda – de costumes rígidos, exigente com a disciplina e que não pensava duas vezes para dar um bom grito com alunos que estivessem pelos corredores. Pronto: ela era o modelo ideal de tudo aquilo que a pregação de esquerda dizia ser contra, ou seja, a tradição, o modelo repressor e antiquado.
Felizmente na disciplina de História a coisa foi diferente. Sempre tive professores engajados no movimento sindical – um direito constitucional de qualquer indivíduo –, mas que não misturavam as coisas. Em suas aulas se preocupavam basicamente em discutir o programa. Não paravam para doutrinação ou propaganda política.
Já no ensino médio, recordo-me de um professor muito querido, esquerdista até a alma, mas que nunca usou sua cátedra para doutrinação. Obviamente, sua sensibilidade era visivelmente de esquerda, mas, nunca o vi convocar alunos para passeatas, pedir apoio para greves ou coisas do tipo. Também nunca atacou a burguesia, aliás, não recordo do profº Valter pensar a História pela luta de classes. Nunca atacou banqueiros, comerciantes, religiosos etc. Tinha uma sensibilidade muito rara.
Uma aula inesquecível – e que despertou minha paixão pela História – sobre Canudos foi um primor de análise, pois não emitiu julgamentos. Não embarcou em condenações a esse ou àquele grupo social etc. Lembro do mestre ter lido trechos de obras literárias, mas a memória já não permite precisar quais.
O caso mais gritante de doutrinação marxista foi no cursinho. Em 1998 cursei o extensivo do Objetivo, tendo aulas de História com um professor chamado Nunes. Era profundo conhecedor do ofício, mas era extremamente tendencioso nas suas opiniões e análises.
Lembro-me, por exemplo, da utilização constante da expressão “classes mérdias”, para designar as classes médias. Seu tom de voz, imponente e debochado, dava um efeito especial à exposição. Outra pérola do arsenal nunesco era atacar a burguesia, culpando-a de tudo de ruim que existisse na face da Terra. Exploradora e sugadora do trabalho proletário, era a culpada pelas revoluções mundo afora. De tanto que explorava os pobres, estes teriam que reagir de alguma maneira.
Quando tratamos da História dos Estados Unidos nos séculos XIX e XX, os ataques foram pesados. Numa das aulas, o professor disparou: os EUA não podem se gabar de serem os melhores da América, uma vez que teriam sido colonizados por prostitutas, ladrões e outros tipos bizarros que haviam escapado da Europa.
Os alunos percebiam sua agressividade e a tendência marxista, mas, ao ser questionado, respondia apenas que era socrático, ou seja, só sabia que nada sabia. A sua visão anti-religiosa era explícita, também não faltavam ataques à TV, pois ambas alienavam a população. Numa das primeiras aulas ele tascou a célebre frase: o primeiro socialista foi Jesus Cristo.
O tempo passou, ingressei na faculdade, formei-me em História e, hoje, atuo como professor no sistema particular de ensino. Minha maior surpresa quando retornei à sala de aula como professor foi o total domínio do marxismo nas disciplinas de História e Geografia. A coisa é totalmente tendenciosa, inclusive nos sistemas apostilados. Basta um breve exame para captar o viés ideológico marxista. Até as famosas leituras complementares versam apenas nesta perspectiva.
O mais importante, no entanto, ainda não é isso. A doutrinação dos alunos é facilmente perceptível. No ano passado, ingressei numa escola particular. O professor anterior era anarquista assumido que, segundo os alunos e a coordenação pedagógica da escola, fazia propaganda e tudo. O colega deixou alguns discípulos.
Nas primeiras aulas o estranhamento era visível. Não demorou e cobraram-me, sutilmente, o atestado ideológico: você é capitalista ou socialista? Respondi polidamente minha posição, expliquei as razões de minha escolha e procurei fazer com que os alunos entendessem que a tomada de posições requer reflexão e maturidade. Ressaltei que eu mesmo já apoiara o MST e, com o passar do tempo, mudei minha compreensão do mundo. Deixei claro que o importante era que eles não se tornassem sectários e se fechassem a qualquer informação que parecesse contrário àquilo que sua ideologia defendia. Por fim, conclui que minha única militância era pela democracia e liberdade de expressão.
Nesta turma tive alguns contratempos. Quando disse, certa ocasião, que a democracia brasileira vinha se aperfeiçoando, apesar de alguns ataques contrários, fui hostilizado. Uma aluna bradou: como você pode chamar um sistema no qual o voto é obrigatório de democracia? A questão é típica de anarquista, posição que a menina nunca escondeu de ninguém.
Na minha resposta fiz dois reparos: (a) o regime democrático é mais complexo e vai além da questão do voto, além do que isso poderia ser superado, pois quem for contra que não saia de casa, posto ser a multa uma verdadeira ninharia. Ressaltei também que a medida, segundo fala do presidente do TSE na época – Marco Aurélio de Mello, salvo engano – visava criar uma cultura de participação. Poderíamos discordar da eficácia, duvidar de ser uma saída correta e até entendê-la como uma medida autoritária; (b) expliquei à turma que a não participação na vida eleitoral e partidária era uma posição clássica e definidora mesmo do anarquismo, por isso, a posição da colega deles.
Não nego que a rispidez da aluna tenha me incomodado. Nunca consegui determinar ao certo se sua ira era contra minha afirmação, ou se esta foi pretexto para a menina criticar-me em virtude de minha visão de mundo. Em seu entendimento eu era um conservador reacionário com tendências autoritárias. Infelizmente o contencioso perdurou por todo o ano.
Curiosamente, em certa ocasião apliquei uma prova. Essa menina e sua turma não sabiam nada, pois haviam faltado muito às sextas, dia que eu ministrava aula. Pois bem, tal não foi minha surpresa quando a professora que aplicou minha prova para essa turma contou-me que a jovem anarquista insuflou as amigas – e toda a sala – a entregar a prova em branco para parecer que eu não dava aulas corretamente naquela turma. A esperança era de que a prova fosse cancelada. Felizmente, o coordenador me deu total apoio, pois acompanhava meu trabalho de perto, além de que eu já o alertara para o problema das faltas na sexta-feira. É uma posição nazista a solução adotada pelas jovens. Nunca falei a ninguém sobre esse meu entendimento do episódio, mas lembro-me dos membros do Partido Nazista abandonando o Parlamento alemão quando a sessão não lhes era favorável. Triste episódio.
Na semana passada discutia com alunos da 7ª série sobre a história americana. A apostila forçava uma discussão sobre sua origem liberal. Um aluno questionou-me sobre minha posição ideológica. O menino tascou: mas e os pobres! O menino estava visivelmente espantado com minha insensibilidade. Daí o debate acabou tomando quase toda a aula. Basicamente o menino defendeu duas premissas: (a) ninguém deveria se importar em ceder um pouco de seu conforto para dividir com os demais; (b) a liberdade não é um preço tão caro a pagar pela justiça social.
O que me impressiona é o fato do garoto ter essas teses socialistas tão nítidas em sua mente. Fruto de trabalho anterior de professores, mas, acredito que seus pais sejam de esquerda. Não entrei em detalhes, uma vez que esse não é o meu papel. No fim das contas, essa turma defendeu o “modelo capitalista”, pois entenderam que a riqueza é que deve ser universalizada. Fui pego de surpresa pela polarização e pela relativa paixão com que os meninos e meninas defenderam suas posições. A pregação marxista funcionou, de um jeito ou de outro, pois a discussão saiu da análise metódica para a politização, por mais que eu tentasse o tempo inteiro redirecionar o tipo de abordagem.
A politização não é um mal em si, pois a política é uma das dimensões mais naturais do ser humano, desde os primórdios dos tempos. Porém, até chegar num nível de maturidade, no qual o aluno possa realmente ser ativo no processo de reflexão, o professor deverá ser o mais imparcial possível. Deve fornecer visões diferentes de um mesmo fato e conduzir o aluno a reflexão. Não deveria nunca forçar uma leitura unidimensional da realidade histórica. Sé é para ser plural sejamos todos, não é mesmo?
* Professor de História em escolas particulares da Capital e Grande São Paulo.