Por Max Weber
“[…] Neste momento, detenhamo-nos por um instante nas disciplinas que me são familiares, que são a sociologia, a história, a economia política, a ciência política e todos os tipos de filosofia da cultura que têm por fim a interpretação dos diversos tipos de conhecimento precedentes. É costume dizer, e eu concordo, que a política não tem lugar nas salas de aulas das universidades. Primeiramente, não tem mesmo, no que se refere aos estudantes. Deploro, entre outras coisas, que, [na sala de aula] de meu antigo colega Dietrich Schafer, de Berlim, certo número de estudantes pacifistas se haja reunido em volta de sua cátedra, para fazer uma manifestação. Também deploro o comportamento de estudantes antipacifistas que, ao que tudo indica, organizaram manifestação contra o professor Foerster, do qual, em virtude de minhas concepções, me sinto, por isso, muito afastado e por muitos motivos. Mas a política não tem lugar também, no que compete aos docentes, principalmente quando eles tratam cientificamente temas políticos. A política está, mais do que nunca, deslocada.
Certamente, uma coisa é tomar uma posição política prática, e outra coisa é analisar cientificamente as estruturas políticas e as doutrinas de partidos. Se, numa reunião pública, discute-se democracia, não se faz segredo da posição pessoal adotada e a necessidade de tomar partido de maneira clara se impõe, então, como um dever […]. As palavras empregadas numa ocasião como essa não são instrumentos de análise cientifica, mas constituem apelo político destinado a solicitar que os outros tomem posição. Longe estão de ser relhas de arado para remexer o campo imenso do pensamento contemplativo, constituindo-se em armas para conter os adversários, ou, em outras palavras, meio de combate. Empregar palavras dessa maneira numa sala de aula seria torpe.
Em um curso universitário, quando se manifesta a intenção de estudar, por exemplo, a “democracia”, procede-se ao exame de suas diversas formas, o devido funcionamento de cada uma delas e indaga-se das conseqüências que uma ou outra acarretam. A seguir, à democracia opõem-se as formas não-democráticas da ordem política e tenta-se levar essa análise até a medida em que o próprio ouvinte se ache um condições de encontrar o ponto a partir do qual poderá tomar posição, fundamentado em seus ideais básicos. O verdadeiro professor terá escrúpulos de impor, do alto de sua cátedra, uma tomada de posição qualquer, tanto abertamente quanto por sugestão – já que a maneira mais desleal é evidentemente a que consiste em “deixar os fatos falarem”.
Essencialmente, por que razões devemos abster-nos? Deduzo que determinado número de meus respeitáveis colegas opinará no sentido de que é, geralmente, impossível pôr em pratica esses escrúpulos pessoais e que, se [fosse] possível, seria fora de propósito adotar precauções semelhantes. [Bem], não se pode demonstrar [científicamente] a ninguém aquilo em que consiste o dever de um professor universitário. Nada mais se poderá exigir dele do que probidade intelectual ou, em outras palavras, a obrigação de reconhecer que existem dois tipos de problemas heterogêneos: de um lado, o estabelecimento de fatos, a determinação das realidades matemáticas e lógicas ou a identificação das estruturas intrínsecas dos valores culturais; e, de outro, a resposta a questões referentes ao valor da cultura e de seus conteúdos particulares ou a questões relativas à maneira como se deveria agir na cidade e em meio a agrupamentos políticos.
Agora, se me fosse perguntado por que esta última serie de questões deve ser excluída de uma sala de aula, eu responderia que o profeta e o demagogo estão deslocados em uma cátedra universitária. Tanto ao profeta quanto ao demagogo se deve dizer: “Vá às ruas e fale em público”, quer dizer, que ele fale em lugar onde possa ser criticado. Em uma sala de aula enfrenta-se o auditório de maneira totalmente diversa: a palavra é do professor, e os estudantes estão condenados ao silencio. Impõem as circunstâncias que os alunos sejam obrigados a seguir os cursos de um professor, tendo em vista a futura carreira e quem ninguém dos presentes a uma sala de aula possa criticar o mestre. É imperdoável a um professor valer-se dessa situação para buscar incutir em seus discípulos as suas próprias concepções políticas, em vez de lhes ser útil, como é de seu dever, através da transmissão de conhecimento e de experiência cientifica.
Positivamente, pode ocorrer que este ou aquele professor apenas de forma imperfeita consiga fazer calar as suas preferências. Nesse caso, estará sujeito à mais severa das críticas no intimo de sua própria consciência. Todavia, uma falha dessas não prova nada em absoluto, pois que existem outros tipos de falha como, por exemplo, os erros materiais, e também [estes] nada provam contra a obrigação da busca da verdade. [Com outras palavras: a dificuldade concreta em fazer calar as próprias simpatias e preferências, não induz à conclusão de que o professor esteja desobrigado de buscar a verdade. Assim como a dificuldade em praticar a caridade, a justiça, a honestidade, etc. não implica a abolição desses deveres.] Se não bastasse, é exatamente em nome do interesse da ciência que eu condeno essa forma de proceder. Recorrendo às obras de nossos historiadores, tenho condição de lhes fornecer prova de que, sempre que um homem de ciência permite que se manifestem seus próprios juízos de valor, ele perde a compreensão integral dos fatos.Contudo, essa demonstração se estenderia para além dos limites do tema que nos ocupa esta noite e exigiria digressões demasiado longas. (…)
Seria desconfortante para todo professor titular de uma cátedra universitária abrigar o sentimento de estar colocado diante da impudente exigência de provar que é um líder. Mais desconfortante ainda seria pressupor-se que todo professor de universidade poderia ter a possibilidade de desempenhar esse papel na sala de aula. Efetivamente, os indivíduos que a si mesmos se julgam líderes são, as mais das vezes, os menos qualificados para tal função. De qualquer forma, a sala de aula não será jamais o local em que o professor possa fazer prova de uma aptidão dessa. O professor que sente a vocação de conselheiro da juventude e que goza da confiança dos moços deve desempenhar esse papel no contato pessoal de homem para homem. Caso ele se julgue chamado a participar das lutas entre concepções de mundo e entre opiniões de partidos, deve fazê-lo fora da sala de aula, deve fazê-lo em lugar público, isto é, através da imprensa, em reuniões, em associações, onde achar melhor. Sem dúvida, é muito cômodo exibir coragem num local em que os assistentes e, provavelmente, os oponentes, estão supliciados ao silêncio.”
(Transcrito de “Ciência e Política, Duas Vocações”, Editora Martin Claret, 2006. Destaques e colchetes inseridos.)