Por Luis Lopes Diniz Filho *
Xico Graziano, em seu livro O carma da terra no Brasil, qualifica a política nacional de reforma agrária como um “fracasso retumbante”. Isso ocorre, de um lado, porque o Brasil do latifúndio deixou de existir faz uns 50 anos, devido à modernização das grandes propriedades. De outro lado, os assentamentos de reforma agrária exibem produtividade baixíssima e não geram renda suficiente nem para tirar os assentados da pobreza.
Apesar disso, o autor nota que sucessivos governos vêm persistindo na distribuição de terras, por várias razões, que incluem a resistência dos intelectuais em rever suas teorias, a sensibilização da opinião pública pela estratégia do MST, uma visão idílica da agricultura familiar e “um certo sentimento de culpa que os ricos têm pela histórica miséria que assola o país”.
O que chama a atenção nessa lista, porém, é que o autor ignora uma das causas mais importantes da persistência da visão favorável ao distributivismo agrário na opinião pública: a doutrinação no ensino. Isso é surpreendente, já que Graziano reconhece a resistência dos acadêmicos em rever seus paradigmas, mas não percebe o reflexo disso no ensino médio, que transmite as teorias mais aceitas na universidade.
Há muito que professores e autores de livros didáticos — como o que se vê acima (Geografia Espaço e Vivência, 7º ano, Atual Editora, de autoria dos professores Levon Boligian, Wanessa Garcia, Rogério Martinez e Andressa Alves – 3º ed. – 2009 – clique na imagem para ampliar) — mostram aos alunos aquele mesmo Brasil que, conforme o autor, deixou de existir há mais de meio século!
O mais bem-sucedido autor brasileiro de livros de Geografia, José William Vesentini, passou décadas publicando disparates sobre agricultura. Um deles é afirmar que a modernização agrícola brasileira restringiu-se à agricultura de exportação, enquanto os produtos voltados para o mercado interno, como arroz e feijão, teriam continuado a ser produzidos com “métodos tradicionais”. Ora, basta consultar os dados de produtividade agrícola para ver que tais afirmações são falsas. Mas Vesentini nunca cita essas informações em suas obras, o que leva à conclusão de que ele não checa o que aconteceu de fato no campo por estar convicto da infalibilidade das teorias vigentes na academia.
Outro erro monumental desse autor está em dizer que o Brasil possui sérios problemas de “subnutrição” causados pela desigualdade de renda e pelo suposto predomínio da dita “agricultura de exportação”. A Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE, atesta que há tempos a desnutrição se tornou um problema residual e localizado, mesmo quando se consideram apenas os estratos mais pobres da população.
Os livros de Vesentini não são exceções, mas a regra. Consideremos o Livro didático público, elaborado pela Secretaria de Estado da Educação no governo Requião. Essa obra é até muito mais enfática na defesa dessas visões anacrônicas que os livros de Vesentini. Mas o pior é que os professores usam tais visões equivocadas para justificar as invasões de terra, como já vem sendo denunciado pelo site Escola Sem Partido. Será que a estratégia política do MST sensibilizaria tanto a opinião pública se não fosse o trabalho doutrinador de milhares de professores em todo o Brasil?
Os malefícios causados pela doutrinação superam as questões ideológicas e de valores, pois afetam negativamente a discussão da agenda de políticas públicas, como mostra a reforma agrária.
Doutor em Geografia pela FFLCH-USP; professor do Departamento de Geografia da UFPR.
Fonte: Gazeta do Povo, edição de 30 de julho de 2012
http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1280588&tit=A-escola-a-servico-do-MST