Os crimes continuados do Enem, agora sob a gestão do ministro da tese-miojo

Por Reinaldo Azevedo

Os petistas transformaram o Enem num crime continuado. As entidades de professores se calam porque não existem para representar uma categoria. São meros aparelhos de um partido. As que não são petistas estão à esquerda do próprio PT e têm, então, o juízo ainda mais perturbado. As entidades estudantis silenciam porque são extensões do PCdoB, este exotismo nativo que consegue juntar a adoração a Stálin com um amor ainda mais dedicado por cargos públicos. Quem não se lembra das ONGs laranjas fazendo caixa para os comunistas no Ministério dos Esportes? É o “comunismo de resultados” — no caso, resultados para o próprio PCdoB. As oposições não se manifestam porque estão — ih, vou citar Caetano, que também estava citando — pisando nos astros desastradas. E a educação brasileira continua no buraco, cada vez mais fundo, mas com uma quantidade de diplomas como nunca antes na história destepaiz, o que serve ao proselitismo político, seduzindo alguns tolos.

As barbaridades que vieram a público nas provas de redação são apenas um sintoma. A doença é mais grave do que parece e ficará entre nós por muitos anos, por décadas. O PT está queimando o cérebro de gerações. Há dias, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante — aquele cuja tese de doutorado está para o mundo acadêmico como o miojo está para a culinária — anunciou uma grande reforma no currículo do ensino médio. Segundo afirmou, ela vai seguir a divisão de disciplinas no Enem. Essa faixa escolar, hoje moribunda, será condenada à morte. Podem escrever. Vamos com calma, que a coisa é complicada.

O Enem foi criado no governo FHC para ser um instrumento para avaliar o ensino médio e propor, então, medidas de correção de rumos. Transformou-se no maior vestibular do país pelas mãos de Fernando Haddad, sob o aplauso quase unânime e cúmplice, inclusive da imprensa. Pouco se atentava e se atenta para os absurdos lá contidos. A prova de redação, por exemplo, vale 50% da nota final, o que é injustificável sob qualquer critério que se queira. Quando olhamos os itens de avaliação, a indignação precisa se conter para não se transformar em revolta. Transcrevo-os (em vermelho):

Competências avaliadas no texto
Número 1 – Demonstrar domínio da norma padrão da língua escrita.
Número 2 – Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo.
Número 3 – Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.
Número 4 – Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.
Número 5 – Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.

Cada um desses quesitos vale 200 pontos. Todos eles plenamente satisfeitos, chega-se a mil. Os corretores que atribuíram mil pontos aos alunos que escreveram “enchergar”, “trousse” e “rasoavel” entenderam que eles alcançaram pontuação máxima no quesito 1: “domínio da língua”. Assim, deve-se entender que o MEC do ministro-miojo acaba de incorporar essa ortografia à língua portuguesa.

O Enem estabelece também os critérios que podem levar um aluno a tirar zero. Prestem atenção:

Razão 1 – Não atender à proposta solicitada ou apresentar outra estrutura textual que não seja a do tipo dissertativo-argumentativo.
Razão 2 – Deixar a folha de redação em branco.
Razão 3 – Escrever menos de sete linhas na folha de redação, o que configura “texto insuficiente”. Linhas com cópias do texto de apoio fornecido no caderno de questões não são consideradas na contagem do número mínimo de linhas.
Razão 4 –  Escrever impropérios, fazer desenhos e outras formas propositais de anulação
Razão 5 – Desrespeitar os direitos humanos

Assim, os corretores que não zeraram as provas que trazem a dica para preparar miojo ou o hino do Palmeiras entenderam — e o MEC os endossou — que os estudantes estavam atendendo à “proposta solicitada”. Atenção: o hino do Palmeiras, como quase todos, é narrativo, não dissertativo.

É evidente que essas provas todas nem sequer foram lidas direito. A prova do exame que vale 50% está submetida, portanto, ao mais escancarado arbítrio — arbítrio que se dá também no terreno ideológico.

Voltem lá às competências avaliadas. Exige-se do estudante do ensino médio que apresente “soluções” para os problemas — e elas devem, necessariamente, respeitar os direitos humanos, ou ele pode receber um zero. Ficamos sabendo, e o MEC mesmo o disse, que receita de miojo e o “alviverde imponente”, ao menos, respeitam os direitos universais do homem…

Pantomima

Estamos diante de uma soma de pantomimas de naturezas distintas Há a técnica: é visível que o MEC não dispõe de mão de obra treinada para fazer um vestibular de milhões de alunos. As evidências estão aí, saltam aos olhos. Há a pantomima ideológica: é certo que todos devem respeitar os direitos humanos. Ocorre que esse é o conceito. Com que conteúdo será preenchido? Vamos ao exemplo prático.

No dia 5 de novembro do ano passado,  escrevi um post esculhambando a proposta de redação do Enem 2012. Tema: “O movimento migratório para o Brasil no século XXI”. Já digo por que é uma vigarice ideológica e política. Antes, quero me fixar nessa história de “direitos humanos”. Se um candidato achar que os bolivianos e nigerianos que entram clandestinamente em São Paulo ou os haitianos em situação idêntica no Acre devem ser repatriados, pergunto: independentemente do mérito da opinião, isso caracteriza “desrespeito aos direitos humanos”? É evidente que não. Ou todas as leis de imigração, inclusive as nossas, seriam desumanas.  Pois é… Mas o corretor pode estar com a cabeça cheia de John Lennon naquela hora e punir o candidato, ainda que ele seja um exímio redator. Se não zerar, há o risco de puni-lo com uma nota baixa nesse quesito. O “respeito aos direitos humanos” é só uma senha para um filtro que é de natureza ideológica.

O tema da redação, observei então, é uma estupidez em si. Ainda que houvesse efetivamente um fenômeno de dimensão tal que permitisse essa afirmação — não há —, cumpria lembrar que estávamos apenas nos 12 primeiros anos do referido século. “Século”, em ciências humanas, não é só uma referência temporal. É também um tempo histórico. Mais 30 anos podem se passar, sem que tenhamos chegado à metade do século 21, e podem diminuir drasticamente as correntes — que nem são fluxo nem são movimento — de migração para o Brasil. Tratar esse evento como característica de século é burrice. Provo: “O PT é o partido que mais elegeu presidentes no século XXI”. O que lhes parece? Ou ainda: “O PSDB é o maior partido de oposição do século XXI no Brasil”. Ou isto: “O PMDB, no século 21, participa de todos os governos”.

Nas escolas e nos cursinhos, as aulas de redação têm-se convertido — sem prejuízo de o bom professor ensinar as técnicas da argumentação e texto — numa coleção de dicas politicamente corretas para o aluno seduzir o examinador. Com mais um pouco de especialização, o pensamento será transformado numa fórmula ou numa variante do “emplastro anti-hipocondríaco”, de Brás Cubas (o de Machado de Assis), destinado “a aliviar a nossa pobre humanidade da melancolia”. É o que têm feito os professores: um emplastro antipoliticamente incorreto, destinado a “aliviar os nossos pobres alunos da tentação de dizer o que eventualmente pensam”.

A redação, que vale metade do exame, converteu-se num maneirismo ideologicamente direcionado. Cobra-se dos alunos que repitam as verdades eternas do petismo e do politicamente correto. Pensar sem amarras, numa prova de redação do Enem, pode custar zero ao candidato. Como se vê, ele corre menos risco com uma receita de miojo e com o hino de um time de futebol.

Macumbarias

As provas do Enem já são ruins de doer, com suas divisões de nomes tão pomposos quanto estúpidos: 
– Ciências Humanas e suas Tecnologias;
– Ciências da Natureza e suas Tecnologias;
– Linguagens, Códigos e suas Tecnologias;

– Redação;
– Matemática e suas Tecnologias.

A expressão “suas tecnologias” é mera feitiçaria modernosa. Sabem o que quer dizer? Nada! Já escrevi aqui um monte de textos sobre a patrulha ideológica nas provas, seu viés esquerdizante e suas empulhações. No dia 18 de novembro de 2010, publiquei um post com este título:  ”A prova criminosa do Enem: anatomia de uma empulhação a serviço da ignorância”.

Muito bem! Mercadante agora diz que vai mudar o currículo do segundo grau para adaptá-lo às divisões do Enem. Certo! O estudante terá, então, suponho, aula de “Ciências Humanas e suas Tecnologias”. Nesse arco, incluem-se disciplinas como história, geografia e sociologia. Pergunto: os professores de cada uma delas terão de ministrar aulas também das outras? As “Ciências da Natureza” abrigam física, química e biologia. Um professor ensina, num dia, o que são platelmintos; no outro, o Movimento Retilíneo Uniforme e, no terceiro, fala sobre orbitais? O de Linguagens, Código e suas Tecnologias pode ensinar qualquer coisa… O ensino de língua portuguesa foi extinto faz tempo. Os professores deveriam ser substituídos por especialistas em história em quadrinhos. Exames do Enem e vestibulares em geral são fascinados por isso.

Mercadante estuda a sua revolução no ensino médio com base em informações colhidas em provas elaboradas com o rigor que se conhece e em redações corrigidas com a seriedade que estamos vendo.

Analfabetismo de terceiro grau galopante

É claro que o Brasil não passaria incólume pelo PT. Entre os estudantes do ensino superior, 38% não dominam habilidades básicas de leitura e escrita, segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado em julho do ano passado pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação Educativa. Vejam quadro.

Em 2001-2002, 2% dos alunos universitários tinham apenas rudimentos de escrita e leitura. Em 2010, essa porcentagem havia saltado para 4%. Vale dizer: 254.800 estudantes de terceiro grau no país são quase analfabetos. Espantoso? Em 2001-2002, 24% não eram plenamente alfabetizados. Um número já escandaloso. Em 2010, pularam para 38%. Isso quer dizer que 2.420.600 estudantes do terceiro grau não conseguem ler direito um texto e se expressar com clareza. É o que se espera de um aluno ao concluir o… ensino fundamental!

Estamos em plena revolução. A luta armada será travada sobre a copa das árvores.

Publicado no blog do autor em 20 de março de 2013.

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