Leia AQUI a reportagem do Correio Braziliense, edição de 10 de março de 2004. Abaixo, a transcrição da matéria.
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Nas salas de aula de escolas públicas, alunos de Ceilândia aprendem a repudiar o governador Joaquim Roriz e vários de seus aliados. As lições estão no livro ‘Se Deus é Brasileiro, Jesus é Nordestino’, adotado desde o ano passado por professores de português, filosofia, sociologia, leitura de textos e até inglês. Estudantes da 8ªsérie e do ensino médio, entre 14 e 17 anos, lêem, debatem e fazem resenhas sobre as 127 páginas recheadas de análises, com fortes críticas à atuação dos políticos do Distrito Federal.
O autor do livro, Ezequiel Dias Cruz, é professor de inglês do Centro de Ensino Fundamental nº 15 de Ceilândia. Popular entre os alunos, ele incluiu nas aulas uma ‘discussão sobre cidadania’, que vale ponto na nota final. Para isso, os 120 alunos das três turmas de 8ª série precisam debater os temas escritos pelo mestre: prostituição, violência, discriminação aos moradores de Ceilândia, desemprego e muita política.
O livro também foi adotado no Centro de Ensino Médio nº 5 da cidade, onde os 1,5 mil alunos aproveitam o texto nas lições diárias. Este ano, pelo menos cinco professores já o incluíram na programação. No ano passado, os estudantes discutiram os temas em sala de aula. Para isso, contam com 100 exemplares em bibliotecas públicas – comprados pelo Sindicato dos Professores (Sinpro) por R$ 1 mil.
No livro, vários parlamentares são citados. O deputado José Roberto Arruda (PFL/DF) é lembrado por sua participação na violação do painel eletrônico do Senado, em 2001. O ex-senador Luiz Estevão, pelo suposto envolvimento no desvio de recursos do TRT de São Paulo. O distrital Pedro Passos (PMDB) é citado como um deputado que deveria ser preso pelas denúncias que o apontam como grileiro. A vice-governadora do DF é chamada de “Maria de Lourdes Apatia ”.
Uma das principais obras da gestão anterior de Roriz, a Ponte JK, merece duas páginas. ‘Aquela obra-de-arte do Lago Sul, aquele cartão postal de Brasília, nada acrescenta para nossa pobre cidade sem teatro’, diz o escritor.
Num dos capítulos, ele aborda a vinculação entre igrejas e políticos. No subtítulo ‘Serás infiel a todo político corrupto, mesmo que ele seja um pastor’, são citados o distrital Júnior Brunelli (PP) e o deputado federal Pastor Jorge Pinheiro (PL), licenciado para exercer o cargo de secretário de Meio Ambiente. ‘Os crentes não deveriam ser fiéis a seus pastores no momento sagrado do voto. Pelo contrário, deveriam ser rebeldes e questionar aqueles líderes que pregam Mateus Cinco, porém andam de mãos dadas com a corrupção, o engano e a grilagem de terras públicas.’
No Centro de Ensino 15, localizadono Setor O, o conteúdo do texto já foi assimilado por vários alunos. ‘O livro fala da realidade da Ceilândia, sem medo das conseqüências. Tudo o que está lá é verdade’, entende Sara Regina Caldas de Almeida, 16. ‘O livro fala muito de política e nunca tinha lido sobre esse tema antes’’, afirma Kalline Ramos Ribeiro, 15. No Centro de Ensino 5, estudantes também gostaram do que leram. ‘Mostra a realidade, como a feira da prostituição e os moleques de rua’, afirma Edmilson Aguiar, 16.
O diretor do Centro de Ensino 15, Frederico Viana, afirma nunca ter sido informado de que Ezequiel adotara o livro nas aulas de inglês. Segundo ele, temas alternativos podem ser tratados pela coordenação, mas nunca em sala de aula.
‘Os alunos têm de conhecer a sua realidade, resgatar a auto-estima e aprender a própria língua antes de se dedicar a um novo idioma’, sustenta Ezequiel. Militante do PT, ele diz que recebeu apoio de petistas, como o ex-senador Eurípedes Camargo (PT/DF), para bancar o custo de R$ 5,2 mil do livro.
No último capítulo, também critica os ‘companheiros’ de partido. ‘Encabeçados pelo PT, cuja trajetória política é umbilicalmente ligada à história sindical, a esquerda do DF tem dificuldades em articular um projeto popular que fale ao coração e às mentes do eleitorado carente de utopias, porém não sindicalizado.’
(Na reportagem, o jornal informa que a Secretaria de Educação do DF decidiu proibir a adoção da obra nas escolas públicas. “Pela avaliação dos técnicos, ele contém estereótipos, equívocos conceituais e usa linguagem não conveniente para educandos.” Ouvido pela reportagem, o professor de Filosofia Cícero Lima reagiu: “Proibir o livro é censura. Nem o papa vai impedir que eu o adote em sala de aula”.)