Eles não têm razão, mas querem vencer o debate

Por Reinaldo Azevedo

Ah, claro, claro! A questão da educação sexual nas escolas continua rendendo. Sobretudo porque há um bando — a palavra é essa, sim — de idiotas que responde àquilo que não escrevi. Até parece que me opus a aulas sobre sexualidade. E isso é falso. Esse é mais um dos textos que não escrevi, e esta é mais uma das opiniões que não tenho: “Reinaldo é contra educação sexual nas escolas”. Não! Defendo que as aulas sejam adequadas à faixa etária das crianças e jovens e que o professor se dispense de levar à sala pênis e vaginas de borracha (ainda não se chegou a esse ponto, creio, dada a, como direi?, “internalidade” do órgão, mas logo descolarão uma daquelas bonecas infláveis…), no que caracteriza, por razões que me dispenso de expor, um claro constrangimento às crianças.

Mais: convidar uma criança de 12 anos a revestir um pênis de borracha com uma camisinha não tem exatamente caráter didático: antes, tenta-se transformar a prática sexual, que está ligada à moral das famílias e à moral individual, em algo tão trivial quanto tomar um copo d’água. E não é nem nunca será assim. E não porque eu não queira, mas porque o sexo é parte da complexa formação da psique humana — gerou, diga-se, um saber específico: a psicanálise. E prestem atenção:
– houvesse um programa realmente centralizado, que fosse detidamente acompanhado e monitorado pelo estado, já seria um descalabro. Quem deu a esSe ente o direito de dizer como as famílias devem se comportar em relação a isso?;
– mas nem há essa centralização; o que temos é a mais pura bagunça.

Aí vêm os laxistas de sempre, na suposição de que falam em nome de um saber leigo e científico, em oposição a restrições como as minhas, que seriam de natureza religiosa. Uma banana, macaco! Não estou falando em nome de religião coisa nenhuma — e, se falasse, teria tal direito. Mas não é o caso.

Sustento é que crianças de 12 anos não estão moralmente preparadas para esse tipo de abordagem. Quem as expõe a objetos vendidos em casas eróticas, pílula do dia seguinte, anticoncepcionais e afins ESTÁ MUITO MAIS INTERESSADO EM AFRONTAR UMA SUPOSTA MORAL CONSERVADORA DO QUE EM EDUCÁ-LAS. Trata-se de uma canalhice moral que usa os estudantes como mero pretexto.

Mais: as aulas de educação sexual nas escolas já têm lá quase uma década – se não tiver mais. E, no período, aconteceu o quê? Cresceu o número de adolescentes grávidas. Sabem por quê? Porque camisinha e pílula não substituem escolhas morais. Voltarei ao tema em outro post. Agora quero trabalhar com outro dado.

No dia 3 de setembro deste ano, enrosquei aqui com o título que o Estadão e o Jornal da Tarde deram a um texto que se referia justamente a uma pesquisa sobre sexo. Leiam. Volto em seguida.
*
O 39º estratagema para vencer um debate mesmo sem precisar ter razão
Não adianta. Quando há uma metafísica influente a ditar a pauta da imprensa, por mais que a realidade grite uma coisa, os jornalistas concluem o contrário sem a menor cerimônia. Com alguma freqüência, a conclusão errada tem o auxílio de um número, tirado de alguma pesquisa.

O Estadão, com uma cobertura de política sempre tão competente — especialmente daquele espécime tão particular chamado Homo brasiliensis —, deixa-se tomar, em algumas áreas, por certa vocação dita “progressista” que se espalha por aí, a pôr viseiras nos jornalistas, que confundem a realidade com o desejo. Vamos ver.

Na página A 20, o jornal publica uma reportagem (de fato, o texto foi originalmente produzido para o Jornal da Tarde) em que se lê o seguinte título: “Jovem inicia vida sexual antes dos 15 e tem mais de um parceiro”. Bati e olho e pensei: “Pô, que gente precoce! No meu tempo, só uma minoria era assim tão avançadinha”. Decidi ler a reportagem e a pesquisa.

Antes, uma consideração técnica para o leitor que não é da área. Em títulos, jornalistas lidam com o chamado “ser genérico”. Aquele “jovem” do título não é “um jovem” definido, mas “o” jovem geral — vale dizer, “os jovens”. Assim, quando se emprega esse genérico, ou o termo se refere a uma maioria expressiva, ou o título está errado. Se o editor escolheu nos informar que “Jovem inicia vida sexual antes dos 15…”, é preciso que a pesquisa tenha constatado que essa é a realidade da grande maioria dos pesquisados. Vamos adiante.

Prestem atenção ao primeiro parágrafo do texto que trata da pesquisa: “Usar a pílula do dia seguinte ou ter relações sexuais com vários parceiros ao longo da adolescência são atitudes que fazem parte do cotidiano do jovem brasileiro de classe média com idade entre 13 e 16 anos. Pesquisa realizada com 6.308 alunos de escolas particulares de todo o país revela que 22% deles perderam a virgindade”.

Epa!
Quer dizer que a pesquisa revela que 78% dos jovens entre 13 e 16 anos AINDA NÃO PERDERAM A VIRGINDADE? Alguém me dê uma explicação razoável para que 22% determinem o título de uma reportagem, e 78% sejam ignorados. Quer dizer que menos de um quarto do universo pesquisado pode falar pelo ser genérico “o jovem”, mas os mais de três quartos não podem? Digam-me: dada essa lógica da generalização, o título correto, então, não seria este: “Jovem se mantém virgem até os 16 anos”?

Há um outro mimo de edição que merece ser comentado: um quadro tenta fazer uma apresentação rápida da pesquisa. Aí se vê lá:
Iniciaram vida sexual antes dos 12 anos
12,2% dos homens
5,7 das mulheres
Iniciaram vida sexual aos 12 anos
7,5% dos homens
3,2% das mulheres
Iniciaram vida sexual aos 13 anos
19% dos homens
13,6% das mulheres
E assim vai…

Em nenhum momento fica claro no quadro que essas percentagens referem-se àquela minoria de menos de um quarto que já iniciou vida sexual. Se o leitor bater o olho no título e no quadro apenas, o que não é incomum, ficará com a informação errada, erradíssima.

Por que isso acontece? Há uma decisão, uma deliberação, de torcer a pesquisa? Olhem, fosse assim, seria menos preocupante. Porque bastaria um pito, e as pessoas fariam a coisa certa. É coisa mais séria: há uma “cultura” dita “progressista” que determina o viés. Vocês sabem: jornalista sempre consultam “especialistas”. E os “especialistas” também falam ao Estadão. Segundo a síntese da reportagem, eles “alertam os pais para que não fechem os olhos à nova realidade da juventude”. Huuummm… Que nova realidade? Seria a nova realidade da esmagadora maioria de virgens entre 13 e 16 anos?

Schopenhauer definiu 38 estratagemas que podem ser empregados para vencer um debate mesmo sem ter razão (*). Hoje em dia, há um 39º muito influente: recorrer a algum número. Coloque porcentagens em bobagens monumentais, e a maior asnice passa por verdade sagrada. O número tanto pode ser flagrantemente distorcido, como no caso acima, em que a minoria é tomada por maioria, como se pode empregar um dado circunstancial, transitório, como se fosse o ponto de chegada de uma tendência, com todos os fatores que a determinam permanecendo vigentes no futuro — é o caso em que um número não se distingue da futurologia da Mãe Dinah: um bom exemplo é a escatologia finalista do aquecimento global.

Esse é um caso apenas que flagrei no Estadão, um jornal, no mais das vezes, de alta qualidade. Há outros por aí. O que vai agora tem alcance geral, não vale só para a imprensa. Vocês sabem: o Brasil precisa ser “progressista”. Nem que, para isso, seja preciso mentir um pouco…

Voltei

É isso aí. Nada menos de 78% dos jovens pesquisados ainda não tinham iniciado a vida sexual aos 16 anos, quatro depois daqueles que, aos 12, estão sendo intelectualmente molestados (quando menos) por professores supostamente preparados para ministrar aulas de educação sexual. Com o auxilio de um pênis de borracha, que lhes é oferecido para que seja revestido com uma camisinha.

Essa gente deveria estar na cadeia, não em sala de aula.

(*) Leia Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão (editora Topbooks), de Schopenhauer. A edição tem introdução, comentários e notas de Olavo de Carvalho).

Publicado no blog do autor em 27 de novembro de 2008

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