Por Miguel Nagib
Mesmo sem ter sido julgada em primeira instância, a ação movida pelo Sistema COC de Ensino contra o coordenador do ESP, o advogado Miguel Nagib, e a jornalista Mírian Macedo já chegou ao Supremo Tribunal Federal (clique aqui para saber detalhes do processo).
O STF vai decidir, pela primeira vez, se uma ação de reparação de danos alegadamente causados por matéria informativa ou crítica veiculada pela internet deve ser ajuizada no foro do domicílio da pessoa que se diz ofendida – como se tem considerado até hoje – ou no do responsável pelos danos alegados (no caso, a ação foi ajuizada em Ribeirão Preto, onde fica a sede do COC, apesar de Nagib e Mírian terem domicílio em Brasília e São Paulo, respectivamente).
A questão é relevantíssima e interessa diretamente a todos os indivíduos que exercem, de forma regular ou esporádica, a liberdade de expressão por meio da internet. A tese sustentada no recurso que será julgado pelo STF é a de que a orientação atualmente seguida pelos tribunais expõe a pessoa que exerce a liberdade de informação jornalística por meio da internet ao risco de ser processada em qualquer lugar do país, dependendo do domicílio de quem vier a se sentir ofendido pela matéria publicada; e, nesse sentido, representa um grave embaraço àquela liberdade, o que ofende o art. 220, § 1º da Constituição Federal, segundo o qual “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”.
Em outubro de 2009, o STF reconheceu a repercussão geral da controvérsia. Com a aposentadoria do ministro Eros Grau, o caso será relatado pelo novo ministro Luiz Fux.
A causa de Nagib está sendo patrocinada pelo ex-Ministro do STF José Paulo Sepúlveda Pertence.
Leia, a seguir, artigo de autoria de Miguel Nagib, publicado no jornal “O Globo” (31.03.2010), sob o título “Outra ameaça à liberdade”.
* * *
De acordo com a orientação que vem sendo seguida pelos tribunais brasileiros, as ações de reparação de danos (materiais ou morais) alegadamente causados por matéria publicada na internet devem ser ajuizadas no foro do domicílio do suposto ofendido.
Em razão desse entendimento, que se baseia no art. 100 do Código de Processo Civil, incontáveis indivíduos que exercem, habitual ou esporadicamente, a liberdade de expressão e de informação jornalística por meio da internet encontram-se permanentemente expostos ao risco de ser processados em qualquer lugar do país, dependendo do domicílio de quem venha a se sentir ofendido ou lesado pela informação ou opinião divulgada.
Além disso, nada impede que, sendo vários os supostos ofendidos e diversos os seus respectivos domicílios, o autor seja processado simultaneamente em mais de uma localidade, como aconteceu, em 2008, num dos casos mais notórios de abuso do direito de ação já registrados em nosso país: por causa de uma reportagem, a jornalista Elvira Lobato e a “Folha de S.Paulo” tiveram de responder a mais de 90 ações de indenização ajuizadas por fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus em todo o país, de Santana, no Amapá, até Jaguarão, no Rio Grande do Sul. Não é difícil imaginar as dificuldades enfrentadas pela defesa do jornal e da jornalista.
Em 2008, o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva, incomodado com o conteúdo de reportagens publicadas nos jornais O GLOBO e “Folha de S.Paulo”, anunciou que sindicalistas ligados à entidade por ele presidida entrariam com mais de 20 ações contra esses jornais, em 20 estados do país. Segundo reportagem da “Folha Online”, o deputado teria dito que sua intenção não era ganhar as ações, mas dar trabalho aos jornais: “Pode perder, não tem problema. Vou dar um trabalho desgraçado para eles. Meu negócio é dar trabalho para eles. Não é nem ganhar. É só para eles aprenderem a respeitar as pessoas. Eu estou fazendo apenas 20. Se não parar, vou fazer de 1.000 a 2.000 ações contra eles no Brasil inteiro.” Arrematou: “A Igreja Universal vai ser fichinha.”
Paulinho realmente sabe das coisas. Ganhar essas ações é, de fato, o que menos importa para quem se dispõe a ajuizá-las. O objetivo é punir e intimidar o responsável pelas supostas ofensas. Para punir, não é preciso vencer: basta obrigar a parte contrária a litigar fora do seu domicílio – de preferência, em mais de uma comarca – num país de dimensões continentais. Para intimidar, basta acenar com possível processo.
Tudo isso graças ao artigo 100 do Código de Processo Civil.
Eis que entra em cena o Supremo Tribunal Federal. Em outubro do ano passado, o STF decidiu se pronunciar a respeito da compatibilidade desse dispositivo com o artigo 220, § 1º da Constituição Federal, segundo o qual “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. No jargão processual, o STF reconheceu a “repercussão geral” da questão. O caso — clique AQUI para ver o andamento do processo no STF — está pronto para ser julgado.
Se o STF decidir que a aplicação do art. 100 do CPC ao gênero de demandas judiciais ora examinado pode constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, o foro competente para o julgamento dessas ações passará a ser o do domicílio do réu. Do contrário, fica tudo como está.
Miguel Nagib é advogado, coordenador do ESP e réu na ação movida pelo Sistema COC de Ensino, objetivando a reparação do dano alegadamente causado pela publicação do artigo Luta sem Classe, de autoria da jornalista Mírian Macedo