Liberdade de expressão x Liberdade de ensinar: o conflito por trás da chamada “doutrinação ideológica”

Liberdade de expressão x Liberdade de ensinar: o conflito por trás da chamada “doutrinação ideológica”

Por Heryck Costa *

Muito se tem falado sobre a “Doutrinação Ideológica” no âmbito das escolas e universidades (principalmente públicas), sendo que tal tema é alvo de constantes debates entre aqueles que apoiam a iniciativa de um projeto de lei específico para combater esta prática, e, por outro lado, os que defendem que isto representaria censura à liberdade de expressão do professor.

O presente artigo não se propõe a advogar para nenhum dos lados, o que se pretende aqui é fazer algumas considerações acerca do referido assunto, trazendo fundamentos legais da nossa Lei Maior, a Constituição Federal de 1988.

Evidentemente que, ao adentrar em matéria jurídica, várias interpretações são possíveis, o que é democraticamente admissível. Contudo, este trabalho cuida em fazer uma análise sob ótica deste humilde operador do direito, guardando absoluto respeito às demais perspectivas que por ventura possam existir.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO x LIBERDADE DE ENSINAR

Para que se tenha o melhor entendimento sobre o que está sendo discutido, é necessário que se faça a distinção entre o direito à liberdade de expressão garantido a todo e qualquer cidadão e o direito à liberdade de ensinar que é conferido ao professor.

Grosso modo, a liberdade de expressão pode ser entendida como sendo o direito do cidadão de expor as suas ideias independentemente de censura ou licença (Art. 5o, IX da CF/88). Na prática, é o que acontece diariamente nas redes sociais, onde os usuários podem falar sobre qualquer assunto sem a necessidade de prévia autorização do Estado. Claro que se houver ofensas a terceiros, poderão responder na forma da Lei.

Por outro lado, a liberdade de ensinar é aquele direito conferido ao professor no exercício da profissão, garantindo-lhe poderes para lecionar sem limitação doutrinária ou ideológica (Art. 206, II, CF/88). Evidentemente que o profissional do ensino deverá seguir uma grade pré-estabelecida para a disciplina pela qual se encontra responsável.

Partindo destes dois conceitos, surge então o questionamento que dá origem à problemática aqui tratada:

“Em sala de aula, o professor munido de liberdade de ensinar também possui liberdade de expressão?”

Analisando friamente as definições apresentadas, a resposta que parecer ser mais razoável é NÃO.

Ora, a liberdade de ensinar não pode ser confundida com a liberdade de expressão, muito menos ser sucumbida por ela. Isto porque a sala de aula não é um local onde o professor pode falar aquilo que bem entender, ele deve ter prudência ao abordar os temas relevantes ao conteúdo programático. Se assim não fosse, poderia dedicar todo o tempo para conversar sobre qualquer assunto de sua preferência e emitir juízo de valor acerca daquilo que lhe for mais conveniente.

Essa falsa sensação de liberdade extrema é responsável por inúmeros e lamentáveis fatos ocorridos em salas de aula, onde alguns professores utilizam daquele espaço e tempo para pregar suas próprias convicções religiosas, ideológicas, políticas e partidárias.

Acontece que muitas vezes os alunos não comungam das mesmas ideias que estão sendo transmitidas, mas, em razão de a permanência em sala ser obrigatória, não possuem outra opção senão a de ouvir atentamente o que é dito. Além disso, não são raros os relatos de perseguições sofridas quando externam alguma discordância.

Ademais, quando se trata de instituições públicas, o professor é, sobretudo, um servidor público, e como tal deve se submeter às regras que delimitam a prestação de serviços da administração pública, destacando-se aqui a impessoalidade (Art. 37 da CF/88) que o obriga a manter uma posição de neutralidade, ficando absolutamente proibido estabelecer discriminações gratuitas.

CONCLUSÃO

Por fim, pode-se concluir que o professor não goza de liberdade de expressão durante o exercício de seu trabalho, na verdade ele está munido de liberdade de ensinar, ou seja, não pode nem deve impor seus próprios pensamentos sobre determinados temas, uma vez que tais comentários podem ofender ou ir de encontro aos princípios particulares que cada aluno adquire através de sua família, principalmente no âmbito religioso, ideológico e moral, devendo ainda evitar externar qualquer manifestação pessoal de cunho político e partidário.

Na realidade, o que deve ser feito é uma abordagem imparcial que forneça ao estudante mais do que uma única corrente doutrinária, e este, por sua vez, decidirá por si só qual delas irá aderir.

* Heryck Costa é advogado.

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