Nota do MEC sobre a cartilha anticapitalista de Mário Schmidt

Por Reinaldo Azevedo

Esquerdopatia nas escolas, a nota do MEC, a educação no pântano

A questão em que toca Ali Kamel (ver aqui) é séria, é grave. Ele diz que não vai importunar o leitor com Gramsci ou temas como “hegemonia”. Entendi o que escreveu mais ou menos assim: “Não vou importuná-los com teorias; prefiro, no caso, demonstrar com as coisas funcionam na prática”. E fez muito bem. O tal livro, que chegou a ser aprovado pelo MEC (ver adiante), não deixa a menor dúvida.Trata-se da mais rasteira doutrinação ideológica.

Qual é a tragédia no caso do ensino de história e de geografia? Kamel citou um caso. E, eu lhes asseguro que são centenas, talvez milhares. Por incrível que pareça, o comunismo é um sucesso entre nossos acadêmicos. E da pior forma possível. Olhem aqui: falo do que li. Karl Marx é leitura difícil, pedregosa. Boa parte dos nossos “inteliquituais” de esquerda ignora o que ele escreveu. Começo pelo óbvio: ele nunca teve do capitalismo o ódio que esses bocós demonstram. Ao contrário: entendia-o como um desdobramento positivo, virtuoso, da marcha da humanidade (aí vem o delírio) rumo ao socialismo. A sua posição em relação ao capitalismo não era judiciosa ou moralista nem quando se comportava apenas como militante comunista. Cínico, sim; tonto, não.

Mas o que sabem a respeito esses coitados que escrevem esses livrinhos? Nada! Formados com leitura de segunda mão para eles, basta que o aluno seja induzido — se possível, abduzido — a odiar “o capitalismo”. Faz parte da guerra de valores. Se essa gente não leu Marx, também não leu Gramsci. Não a canalha festiva ao menos. Mas alguns leram. NosCadernos do Cárcere, há anotações sobre educação, de que já tratei aqui e num artigo da VEJA. Na visão gramsciana, fazia parte da construção da “hegemonia” a destruição, é claro!, dos valores burgueses. E assim como se faz nesses livros: desmoralizando o inimigo.

Depois do artigo de Kamel, o MEC divulgou uma nota, de que seguem trechos (em vermelho):

Para ser utilizado nas escolas, o livro didático é avaliado segundo três critérios básicos: a falta de erros conceituais; a coerência teórica-metodológica (sic) no conteúdo e nas atividades propostas; e a contribuição para a cidadania, sem expressar preconceito, doutrinação ou publicidade. É o que explica a coordenadora-geral de estudos e avaliação de materiais da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC), Jane Cristina da Silva.
(…)
O MEC estabelece convênio com universidades federais para realizar a avaliação. O ministério coordena, institui os critérios e elabora o edital. É nomeada uma comissão técnica, composta por especialistas na área: professores-doutores com experiência no ensino fundamental, vindos de diversos lugares do país. As editoras precisam indicar os livros ao MEC, pelo menos, dois anos antes da avaliação.
(…)
O resultado da última avaliação saiu em abril deste ano. Em junho/julho, os professores já escolheram os livros a serem utilizados no período de 2008 a 2010. O livro “Nova História Crítica”, para a oitava série, da editora Nova Geração, foi excluído desta lista por apresentar problemas conceituais. Assim, não estará nas escolas nos próximos três anos.
Indicado pela editora em 2001, o livro “Nova História Crítica” foi considerado ‘recomendado com ressalvas’ no PNLD 2002, ou seja, possuia (sic) limitações, mas poderia propiciar um bom trabalho pedagógico, desde que o professor estivesse atento às ressalvas apontadas no Guia do Livro Didático. No PNLD 2005, foi considerado aprovado – neste ano, foi abolida a categoria ‘recomendado com ressalvas’ -, mas apresentou praticamente os mesmos problemas detectados antes.
(…)
“O MEC não privilegia nenhuma abordagem. Dentre os livros selecionados pelo programa, o professor tem autonomia para fazer sua escolha”, destaca Jane. A coordenadora explica, ainda, que o ministério disponibiliza (sic) uma resenha de todos os livros escolhidos, por meio do Guia do Livro Didático, que orienta a escolha dos professores. (…) 

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Uma nota do MEC traz um erro de concordância (“teórica-metodológica” — o certo é “teórico-metodológica”), um de acentuação (“possuia” em vez de “possuía”, com acento) e o monstruoso neologismo “disponibilizar”. O Brasil está no pântano educacional, no brejo, mergulhado na barbárie. Há dias em que escrevo 30 posts, às vezes mais. Também erro. Os leitores me ajudam. Mas não sou o MEC. Ao redigir uma nota, o Ministério da Educação está obrigado a honrar a norma culta da língua. Quantas notas foram divulgadas hoje? Essa gente que vá se catar.

É conversa mole essa história de que não há “orientação” ideológica. Há, sim. Inclusive em vestibulares feitos em universidades federais — e não só nas federais, também é verdade. Já escrevi aqui alguns posts a respeito do tema, que vou recuperar.

E que se note: nas escolas particulares do ensino fundamental e médio, a realidade não é muito diferente, não! Professores da chamada área de humanidades estão convictos de que seu papel é açular, sei lá, a revolta na clientela “pequeno-burguesa” (o MEC escreveria “pequena-burguesa”) e nos filhos da Dona Zelite. Já relatei aqui: num livro de inglês de uma das minhas filhas, uma americaninha tem como herói… Chico Mendes! Ao que ela comentou: “Nossa! Será que ela não tinha nenhum americano para escolher, mesmo que fosse o índio Touro Sentado?” Tenho orgulho dessa menina, hehe… Continuarei com este assunto

Publicado no blog do autor em 19 de setembro de 2007.

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