“Por que a direita não disputa o poder na Universidade?”

Por Reinaldo Azevedo

Um leitor que se identifica como “Pra ser feliz”, certamente esquerdista, manda um comentário, publicado, que mal disfarça a intenção venenosa, mas que contribui para gerar uma reflexão interessante. E só por isso não cortei. Vamos lá:

Uma breve pergunta: Se as universidades estão cheias de esquerdopatas, idiotas, ideólogos do comunismo decadente e se, para entrar na universidade como docente, é preciso concursos, então por que os gênios da direita, os defensores da democracia e os verdadeiros intelectuais não passam nestes concursos?
12:18 PM

Comento

Há aí um importante erro de premissa. Para afirmar que os “gênios da direita” (como ele diz de forma jocosa) não passam nesses concursos, forçoso seria que eles disputassem as vagas. E não disputam. Com as exceções de praxe, os cursos das chamadas “humanas” (de fato, filosofia, letras e ciências humanas) são monopólio da esquerda. Então, não há essa disputa. E, se houvesse, a “direita” perderia — ou seja: seria rejeitada nos concursos de acesso. Por quê? Porque essas áreas do conhecimento quase nunca têm um núcleo objetivo que possa ser cientificamente testado, de modo a se endossar ou refutar uma tese. Ao contrário: lidam, antes de tudo, com valores, que, na origem, já são escolhas também ideológicas.

 

Por que o establishment da área de humanas das universidades é esquerdista? Há nisso o que já poderíamos chamar de “uma tradição”, que remonta aos anos 60. E que se note: não apenas no Brasil. É assim em praticamente todos os países democráticos. Esses cursos abrigam os descendentes daquele pensamento “de resistência” que anteviu, há quatro décadas, o “fim do capitalismo”. Como o capitalismo, é claro, não acabou, o pensamento “resistente”, de matriz socialista, migrou para a proteção e exaltação do que chamo de “vários parcialismos”: passou a defender a mobilização de parcelas da sociedade que não mais falam em nome da sociedade universal — velha ambição da esquerda —, mas de verdades particulares: mulheres, negros, homossexuais, africanismos, orientalismos… Sigamos.

Nas universidades públicas em especial, não basta ter vocação acadêmica ou querer ascender na carreira. É preciso que o estudante que tenha concluído o curso demonstre interesse — e tenha condições financeiras para tanto — pelos vários estágios da pós-graduação e que haja alguém disposto a orientá-lo. Não é possível ascender na carreira acadêmica sem que haja uma espécie de adoção intelectual. Essa já é uma primeira peneira importante. E outras vão se estabelecendo ao longo do caminho. Seria perfeitamente possível uma banca liquidar com as pretensões de um não-alinhado com o establishment na defesa de uma tese. Mas isso nem chega a acontecer porque o não-alinhado já é barrado muito antes.

Nessas áreas do conhecimento, repudia-se a novidade e se busca a reiteração, perpetuado-se esquemas de poder e de influência ideológica. Nas carreiras que são atravessadas pelas demandas de mercado, por mais que a força do velho tente barrar a novidade, esta se impõe porque depende menos da arbitragem subjetiva. Nas chamadas ciências humanas, ou o sujeito paga o preço de endossar a metafísica influente ou está fora do jogo.

Nas universidades privadas, a realidade não é muito distinta, embora se deva atentar para um dado particular. Com raras exceções, quase nunca ela é formadora da, como chamarei?, “mao-de-obra intelectual primitiva”. Explico-me: o celeiro de “pensadores” e “humanistas” que seguirão carreira acadêmica e se dedicarão ao ensino são as universidades públicas, que formam a maioria dos mestres e doutores.

Estabelecida a competição entre eles — todos, já então, de um mesmo lado ideológico — pelos postos nas universidades públicas, o excedente opta pelo ensino privado, onde acaba reproduzindo os mecanismos de poder que o originaram. E que se note: os que não são aproveitados nem no ensino público nem no privado acabam se integrando a ONGs ou a instituições de grandes empresas que resolvem investir em cultura. O “comunismo” mais radical do Brasil, hoje — radicalismo de gabinete —, saibam, está nos institutos culturais financiados por grandes bancos. É gente que lastima a moderação de João Pedro Stedile e que acha o capitalismo uma porcaria…

Voltemos à velha questão: vão criar o comunismo no Brasil? Não, é claro. O comunismo, na forma que se conheceu, subsiste apenas em Cuba e na Coréia do Norte — vale dizer: acabou. Nem a China, hoje uma tirania do capitalismo de estado, é mais exemplo. O que essa gente faz, com sua militância contra os valores universais da democracia, é flertar com formas veladas de autoritarismo, impostas por grupos de pressão que se assenhoram do estado e de seus instrumentos de coerção para impor a vontade de minorias organizadas como se fosse a realização plena da democracia.

Nota: o escrevinhador não tentou fazer carreira acadêmica. Ainda que eu tivesse tal vocação, suponho que teria declinado por razões econômicas. Fui professor de escola privada dos 19 aos 26 anos. Mudei de ramo, entre outros motivos, porque não tenho vocação para reclamar de salário.

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