Enade 2012: o provão de Jornalismo da Escolinha do Professor Mercadante: tara esquerdopata, ódio à “mídia” e ignorância em dois idiomas

Por Reinaldo Azevedo

Escrevi ontem um primeiro post sobre as delinquências intelectuais do “provão” — o tal Enade — de jornalismo, aplicado pela “Escolinha do Professor Mercadante”. Como deixei claro naquele texto, os estudantes foram OBRIGADOS A DEFENDER O CONTROLE SOCIAL DA MÍDIA — o nome politicamente correto que os petistas dão à censura e ao controle de conteúdo exercido pelo estado — e foram instados a responder que as fontes oficiais de informação são as mais confiáveis!!! É… Até a semana passada, se algum jornalista quisesse saber a verdade sobre a Advocacia Geral da União, por exemplo, bastava consultar o número 2 da pasta, o agora demitido José Weber Holanda. Se quisesse algum detalhe sobre a Presidência, bastava telefonar para a Rosemary, a amiga de Lula…  Sinto por eles a vergonha que não têm…

Prometi voltar ao assunto. E volto. E voltarei muitas vezes porque a prova é longa. Vejam esta outra questão discursiva.

Voltei

O texto que serve de referência não está escrito em português. Não está escrito em língua nenhuma. Falo sobre isso daqui a pouco. Analiso a proposta.

Como se vê, o primeiro quadrinho (as provas no Brasil apelam cada vez mais a ilustrações; nossos vestibulandos e universitários parecem incapazes de entender palavras…) associa a televisão à violência; a segunda imagem mostra um quadro negro crivado de balas: a soma de dois mais dois são quatro tiros. Certo.

E o que se cobra do estudante de jornalismo? Isto:

“A partir da análise das charges acima e da definição de violência formulada pela OMS, redija um texto dissertativo a respeito da violência na atualidade. Em sua abordagem, deverão ser contemplados os seguintes aspectos:
a) tecnologia e violência; (valor: 3,0 pontos)
b) causas e consequências da violência na escola; (valor: 3,0 pontos)
c) proposta de solução para o problema da violência na escola. (valor: 4,0 pontos)

Notem que o examinador induz o estudante a atribuir a violência que se pratica na escola àquela supostamente veiculada pelos meios de comunicação — no caso, a televisão. Pergunto: as palavras “tecnologia e violência” são mesmo uma boa síntese do que se vê na primeira imagem? Nem o Taleban tem mais essa visão tão negativa da “tecnologia”… Ah, sim: a exemplo das provas do Enem, os estudantes agora são instados a apontar soluções. Dada a relação estabelecida pela prova, se a TV começasse a veicular só mensagens amorosas, dois mais dois resultariam em quatro… coraçõezinhos! É a marcha da boçalidade!

Agora o texto

Em que língua está escrita esta estrovenga? Alguém consegue entender?

“A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como o uso de força física ou poder, por ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação. Essa definição agrega a intencionalidade à prática do ato violento propriamente dito, desconsiderando o efeito produzido.”

Esse lixo é incompreensível. Fiquei tão encafifado que fui buscar a fonte de onde foi extraído o trecho. A tradução já era péssima, mas ainda melhor do que a adaptação:

“A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação. A definição dada pela OMS associa intencionalidade com a realização do ato, independentemente do resultado produzido.”

Mas que zorra, afinal, estava escrito no original em inglês, que o examinador preguiçoso se negou a consultar? Isto:

The World Health Organization defines violence as: the intentional use of physical force or power, threatened or actual, against oneself, another person, or against a group or community that either results in or has a high likelihood of resulting in injury, death, psychological harm, maldevelopment or deprivation. The definition used by the World Health Organization associates intentionality with the committing of the act itself, irrespective of the outcome it produces.

Vejam, agora, se isto faz sentido em nosso idioma:

“A Organização Mundial da Saúde define a violência como o uso intencional do poder ou da força física, real ou potencial, contra si mesmo, contra outra pessoa, contra um grupo ou contra uma comunidade que resulte, ou muito provavelmente possa resultar, em lesão, morte, dano psicológico, mal-estar social (*) e privações (**). A definição empregada pela Organização Mundial da Saúde associa a intencionalidade ao ato em si, pouco importando o resultado que este produza”.

Encerro

(*)“Maldevelopment” é um neologismo. Pesquisem a respeito. Traduzi-lo por “desenvolvimento prejudicado”, no contexto, é uma burrice da literalidade. A definição da OMS, como resta evidente, também trata da violência contra comunidades e povos. Ninguém causa “desenvolvimento prejudicado” a uma população. Não no nosso idioma. O que se pode provocar, em português, é mal-estar social. Caso se faça a questão de usar a palavra “desenvolvimento”, seria o caso de falar em “deficiências no desenvolvimento econômico” — já que se trata de um conceito surgido no ambiente da crítica econômica.

(**) “Deprivation”, de fato, é “privação”. Mas “privação”, no singular, requer complemento nominal na nossa língua: “privação de quê?” No plural, recupera-se o sentido do original em inglês: são as privações várias, as carências, as “deficiências de… desenvolvimento”!

Numa única questão, como se vê, juntam-se as taras ideológicas com a ignorância em dois idiomas — incluindo o nativo. Pior: cobra-se do aluno que redija em 15 linhas o “samba do esquerdista doido”, associando tecnologia (!) à violência, as duas coisas à escola, exigindo-se, de quebra, que ele apresente “propostas de solução”!

Solução para qual problema, Santo Deus?

O que não tem solução é a prova da Escolinha do Professor Mercadante!

Publicado no blog do autor em 30 de novembro de 2012.

Deixe um comentário