Esquerdopata, esquerdocínico ou esquerdiota? Ou os três?

Por Reinaldo Azevedo

O ministro da Educação, Fernando Haddad, participou, nesta terça, de uma solenidade no Ministério da Saúde. À saída, indagado pelos repórteres sobre a manipulação ideológica dos livros didáticos, que vem sendo apontada pelo jornalista Ali Kamel (ver aqui), respondeu: “Não é uma opinião generalizada. O programa livro didático é muito elogiado; tem sido aperfeiçoado ao longo dos anos, e nós temos que respeitar a pluralidade de opiniões, né?” E emendou: “O MEC não professa ideologias. O MEC é guardião da liberdade e vai continuar sendo guardião da liberdade…” E achou que sua contribuição ao equívoco ainda era pequena, daí ter optado pelo complemento: “O Ministério da Educação só compra livros que são escolhidos pelos professores. Então, tem três soluções: manter a liberdade, censurar os livros ou trocar os professores. Eu fico com a primeira.”

Há várias coisas somadas aí. A menos grave, acreditem, é a apologia da ignorância em nome da pluralidade e da democracia. Leiam o texto de Kamel. Além da empulhação ideológica, há também o erro estúpido. O ministro que tem “Haddad” no sobrenome acredita ser mera questão de liberdade de opinião afirmar, por exemplo, que a Arábia Saudita é um país xiita ou que os xiitas são mais “radicais” do que, por exemplo, os sunitas da Al Qaeda.

Mas vamos à questão que é mais grave. A estupidez esquerdopata, esquerdocínica e esquerdiota afirma que democracia se resume à vontade da maioria — vale a “democracia hitlerista”, por exemplo; ou “democracia mussolínica”; ou, por que não?, chavista? Vejam lá: porque os professores escolheram (falarei já desse método), para ele, parece bem. Pergunta simples e direta? E se escolherem um livro fascista? Pode? Ou, sob certas circunstâncias, a “vontade da maioria” seria coibida em nome de outro valor, e o nosso homem não veria mal nenhum em “censurar” os professores? Aliás, não precisaria muito: um livro didático que apontasse o petismo não como a solução dos problemas — como faz aquele analisado por Kamel —, mas como um criador de casos teria alguma chance de ser adotado?

Democracia supõe instituições duradouras e um estado que, ao menos, se esforce para ser neutro. É próprio do regime que seja vincado por este ou por aquele partido que está no poder, já que se distinguem as políticas públicas. Mas esse vinco há de ser de superfície. Não se concebe que, em nome da vontade da maioria, se possa ensinar uma mentira. Leiam isto: “Em 1º de janeiro de 2003, o governo federal apresentou o programa Fome Zero. Segundo dados do IBGE, 54 milhões de brasileiros vivem em estado de pobreza. Em nenhum país do planeta existem tantos pobres vivendo entre pessoas tão ricas”. Não temos aí uma mera questão de opinião. Temos uma fraude.

Ou ainda: “Por que, apesar de tantos avanços tecnológicos, pessoas continuam morrendo de fome? É possível mudar essa situação? Os revolucionários russos de 1917 acreditavam que sim. Seguros de que o capitalismo era o responsável pela pobreza, eles fizeram a primeira revolução socialista da história. Depois disso, o mundo nunca mais seria o mesmo. Hoje, passado quase um século, o capitalismo retornou à Rússia, e a União Soviética, que nasceu da Revolução Russa de 1917, não existe mais. Valeu a pena? É difícil responder. Mas como dizia um membro daquela geração de revolucionários, é preciso acreditar nos sonhos.” Viram só? Os revolucionários socialista eram, assim, uma espécie de antecipação de Betinho, eventualmente um pouco mais sanguinários. Nota: as duas maiores fomes da história foram impostas ao “povo” por revolucionários socialistas: por Stálin, com a coletivização forçada da agricultura, e por Mao Tse-Tung, com seu “Grande Salto Para a Frente”. A afirmação, pois, é uma picaretagem, uma falsificação histórica, uma mistificação ideológica.

Mas Haddad, o “democrata”, acredita que é preciso ficar atento à opinião do que ele pretende seja uma maioria. E acusar de censor quem aponta a fraude. Não é por acaso que, nas universidades federais que estão sob o seu comando, a mistificação também corra solta. Já demonstrei aqui o que andam fazendo com os vestibulares nessas instituições. Trata-se de testes ideológicos. Já disse: sou eu só aqui, de bermuda e chinelo. Já passou da hora de o jornalismo investigar como é feita a seleção desses livros:

– quem os envia aos professores?;

– Há uma pré-seleção?;

– as editoras fazem seu lobby nas escolas e aguardam a resposta dos professores?;

– quem é o encarregado, no ministério, de ouvir os professores?;

– participa quem quer?

– quando e em quais casos um livro pode ser retirado do programa?

Questão de fundo

Sim, é preciso voltar às teorias do pai do totalitarismo perfeito, Antonio Gramsci, aquele segundo quem as verdades do “partido” deveriam se consolidar como um “imperativo categórico”, um “laicismo moderno”. Isso está em curso. Os professores saem da universidade com os miolos entupidos de submarxismo — no caso das lojinhas disfarçadas de faculdade, sustentadas pelo ProUni, nem isso — e depois vão escolher livros, comprados pelo estado, que serão distribuídos aos estudantes. Os professores-autores, por sua vez, repetem as mesmas falsidades que lhes foram sopradas aos ouvidos no curso de graduação. E o ciclo se fecha. E deois nos espantamos todos que a escola brasileira seja tão ruim.

Haddad, à diferença do que diz, não está “mantendo a liberdade”. Está é estimulando a indústria da ignorância e da mistificação ideológica. Compreendo: ele é parte disso e só por isso é ministro da Educação. É um dos esbirros de um projeto de poder. A pluralidade em nome da qual ele fala é discurso único: de esquerda.

PS: Um leitor me manda um questionamento: “Ué? Mas existe livro que não esteja contaminado?” Ele faz a pergunta e sugere, em seguida, que há certo exagero na crítica. Eu tendo a responder assim: é bem possível que inexista um livro imune à empulhação. Mas isso só aumenta o tamanho do problema.

Publicado no blog do autor em 2 de outubro de 2007

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