São Paulo – MPE Processo nº 136.720/08

Em 11.08.2008, o paulistano Paulo Antonio do Nascimento apresentou ao Ministério Público Estadual a representação elaborada pelo ESP.

Em 11.09.2008, a Promotora de Justiça Dora Martin Strilicherk determinou o arquivamento da representação, por meio da seguinte decisão:

A presente representação foi ofertada com o intuito de apurar eventuais irregularidades praticadas por professores militantes de partidos políticos, os quais estariam doutrinando e manipulando, ideologicamente e politicamente, alunos de escolas publicas e privadas. 

Segundo o representante, nos últimos 30 anos, um número significativo de professores e autores de livros didáticos estariam propagando ideais marxistas e esquerditas a estudantes de escolas privadas e públicas, desde a pré-escola até as universidades, propiciando-lhes, dessa maneira, preconceitos ideológicos e visões tendenciosas.

Diante de tal circunstância, pugna o representante pela instauração de inquérito civil, e, se necessário, propositura de ação civil pública, tendo como objetico condenar escolas públicas e privadas que atuem nos ensinos fundamentais e médios, além dos cursos pré-vestibulares, a fixar, no interior de suas salas de aula, em local visível, cartazes com relação de deveres elencados no item 32 de sua representação. 

É o relato do necessário. 

Impõe-se o indeferimento da representação. 

Consoante observado, o representante apresentou, de maneira genérica, questões que não atribuem qualquer empecilho ou prejuizo ao ensino e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, e, por conseguinte, não constituem infração aos direitos difusos ou coletivos. Senão vejamos.

A exposição de assuntos e temas controversos nas salas de aula, bem como a abordagem de questões polêmicas, são necessárias ao aprendizado dos alunos, os quais, ao terem acesso e contato com tais informações, passarão a ter juízo mais crítico e desenvolver suas próprias opiniões. 

Ademais, é evidente que a função dos professores e ducadores consiste, justamente, em propiciar o acesso dos alunos às mais diversas informações, e, a partir daí, permitir que as crianças e adolescentes tenham liberdade para firmar suas convicções, sejam elas políticas ou sociais. 

Verifica-se, outrossim, que o artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente, determina que a criança e o adolescente têm direito à educação, voltada ao seu pleno desenvolvimento, ao preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Além disso, o artigo 58 do mesmo diploma legal, prevê que “no processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantido-lhes a estes a liberdade de criação e o acesso às fontes de cultura”. 

Dessa maneira, o posicionamento político dos professores, seja ideologicamente mais progressista ou conservador, não afronta ao texto legal e preserva o direito de expressão e da livre propagação de idéias.

Ressalte-se que o representante não indica um caso específico e também de forma discriminadora não se volta contra o discurso conservador, sendo ilegítima a sua pretensão de censurar a manisfestação dos professores em sala de aula. 

Destarte, não havendo justa causa à investigação dos fatos e instauração de inquérito civil, indefiro a represnetação e determino a notificação do representante, para tomar conhecimento da decisão, e interpor, se assim entender necessário, eventual recurso contra a mesma, no prazo de 10 dias, nos termos do art. 107, 1º, da lei complementar estadual 734/93.

Com a interposição de recurso, a representação deverá vir à conclusão para manutenção ou não da decisão. No silêncio, a secretaria deverá certificar o decurso do prazo e encaminhá-la ao Egrégio Conselho Superior do Ministério Público. 

Contra essa decisão, o autor da representação interpôs recurso para o Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (para ler o recurso, clique aqui).

A relatora sorteada foi a Procuradora de Justiça Eloísa de Sousa Arruda (que veio a assumir, no governo de Geraldo Alckimin, o cargo de Secretária de Justiça do Estado de São Paulo).

Antes do julgmento do recurso, o coordenador do ESP, que tem domicílio em Brassília, deslocou-se para a cidade de São Paulo com o objetivo de conversar pessoalmente com os membros do Conselho Superior, e esclarecer eventuais dúvidas dos conselheiros sobre o fatos alegados na representação. O coordenador do ESP foi recebido pela relatora e por diversos conselheiros, aos quais entregou este memorial e este parecer, da lavra do Prof. Luís Lopes Diniz Filho, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná.

No dia da sessão de julgamento, estavam presentes, além do coordenador do ESP, os professores Bráulio Matos, da Faculdade de Educação da UnB, e Diniz Filho.

Antes do voto da Conselheira Eloísa Arruda, o coordenador do ESP fez uma rápida exposição do problema da doutrinação ideológica em sala de aula, apresentou aos conselheiros o vídeo do Professor Carlão, mencionou expressamente a presença dos professores citados, que estavam ali para responder a qualquer indagação que lhes fosse feita pelos conselheiros.

Entretanto, nenhuma pergunta lhes foi dirigida, do que se conclui que os conselheiros estavam perfeitamente inteirados do problema da doutrinação política e ideológica nas escolas (ou, pelo menos, assim se consideravam). 

Em seu voto (cópia aqui), a Conselheira Eloísa Arruda, depois de tentar caracterizar a pretensão do representante como “patrulha ideológica”, cerceamento da liberdade de expressão dos professores e “panfletagem” do cartaz com os deveres do professor, determinou que o inquérito fosse instaurado apenas para a apuração da responsabilidade pelos erros existentes nos livros didáticos distribuídos aos alunos da rede pública.

Depois desse pronunciamento lamentável, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do Conselheiro Moreira Viegas.

Em seguida, o coordenador do ESP enviou aos conselheiros memorial suplementar, com críticas ao voto da relatora (cópia aqui).

Na sessão do dia 11.08.2009, o Conselheiro Moreira Viegas manifestou-se no mesmo sentido do voto proferido pela relatora, restringindo a investigação ao “exame da qualidade e propriedade do material didático indicado ou gratuitamente fornecido aos alunos do ensino fundamental e médio da rede pública” (para ler o voto, clique aqui). Nesse sentido também votaram os demais conselheiros. 

O órgão máximo do Ministério Público do Estado de São Paulo simplesmente fechou os olhos para o enorme conjunto de evidências que lhe foram apresentadas na representação. Não quis ver nem ouvir. Não se interessou; os conselheiros não dirigiram uma única pergunta aos dois especialistas que de boa vontade compareceram à sessão de julgamento. Não enfrentaram os argumentos da representação, do recurso, dos memoriais e do parecer. 

Está tudo aí, documentado para quem quiser saber como se conduziu nesse importante processo o Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo.

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